Desaparecer? Não para sempre

O Espiritismo decretou: a morte não existe. Mas num universo planetário multicultural o decreto soa como peça conflituosa, pois se já não há espaço para decretos unilaterais em qualquer assunto político ou social, há que se considerar que a simples declaração de um valor que altera qualquer outro vigente – não raro, dominante – choca-se contra o muro das lamentações.

Recente estudo científico põe em cheque a morte cerebral[1], ao revelar que o encefalograma que determina a morte pode ser subvertido com uma nova espécie de coma e, em muitos casos, fazer voltar as atividades cerebrais. Ou seja, quando o indivíduo é dado como morto pela espada de Dâmocles do encefalograma, pode na verdade ainda estar vivo, o que, confirmado, demonstra que o a terrível imagem da linha contínua não é ainda a última palavra para a cessação da vida do corpo.

Ernesto Bozzano juntou inúmeros estudos e casos em um livro que Werneck traduziu para o português e construiu uma planilha com os principais fenômenos comuns quando da morte do corpo físico. Admirado e refutado, Bozzano e seu interessante “A crise da morte” tem sido muitas vezes confirmado com novos documentos mediúnicos e casos de pacientes que retornam do leito de quase morte e falam de lembranças de experiências vividas enquanto o corpo encontrava-se em coma profundo.

Um aparelhinho, de nome Tikker, dado como em desenvolvimento final, pretende calcular o ano, dia e a hora em que o corpo deve morrer e por isso já foi apelidado de “relógio da morte”. Seus inventores têm uma opinião diferente e afirmam que o aparelho servirá para os indivíduos melhor planejarem suas ações na vida e realizá-las a tempo, ou seja, antes que o dia final chegue.

Posto em discussão num grupo de espíritas, três entre quatro indivíduos disseram que não usariam o relógio. Preferem manter no escuro a luz da passagem para que o momento final chegue da mesma forma que ocorre a milênios, isto porque não basta acreditar que a morte é uma passagem e o desaparecimento da personalidade não é para sempre; é preciso ter condições sócio-psicológicas – Herculano Pires diria: educação – para enfrentar a morte sem temor e, se possível, com satisfação.

A cultura da vida e a contracultura da morte se debatem. A ideia de vida é complexa, tanto científica quanto culturalmente e os olhos do homem passeiam pela paisagem planetária numa perdida busca de respostas para a questão. Cada um formula o seu modo de crer, seja para o nada, seja para o existir, mas quando a morte deixar de ser um decreto e passar a constituir uma certeza, teremos substituído uma cultura de fundamental significado para um todo que se chama felicidade.

Os relógios que permanecem marcando apenas a hora já perderam o seu significado e se tornaram um elemento de adorno para o braço. A convergência digital é a pretenciosa busca da unidade e, incorporando ou não o objetivo do Tikker, caminha a incrível velocidade para dotar o ser de vida e de morte, pois sempre que revela uma arrasta consigo a outra. É inevitável. Ocorre que quando uma tecnologia perde significado, desaparece para sempre e só os homens de história se lembram dela, mas o ser humano pode ser uma realidade contínua. Depende dele.

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