Significados e significantes importam. Mas as significações são definitivas

Se um significante jamais oferece apenas um significado possível, porque isso seria a literalidade aprisionante dos sentidos, então, o que Chico Xavier quis dizer com a expressão “o telefone só toca de lá para cá”?

Vê-se aqui e ali a repetição da frase expressa pelo médium mineiro como uma condenação explícita e direta ao desejo de chamar a atenção de espíritos e obter deles mensagens, isto é, conselhos, informações, desejos e conhecimento de seus conflitos no contexto da vida em que se situam. Em uma palavra: condenação da evocação dos espíritos, pois, dizem, se há quem possa decidir se tem ou não condições de dialogar com os encarnados seriam eles, os desencarnados. Oh Deus, quanto engano se comete quando a literalidade aprisiona a significação!

Quando isso ocorre, ou seja, quando se afirma que Chico proíbe que se façam evocações se está atribuindo ao significante – “o telefone toca de lá para cá” – apenas um e único significado que se pode, em mau português, chamar de significado semântico. Ora, digam-me, senhores, qual é o significante que possui um único e preciso significado? Que não se oferece às significações de tantas quantas mentes dele façam uso?

Ah, sim, há médiuns que fazem promessas de ouvir os espíritos que a pessoa deseja; há pessoas que querem ouvir dos espíritos coisas que eles, espíritos, não sabem; há lugares que estranhamente ensinam como os médiuns entram em contato com espíritos familiares; há outras pessoas que querem resolver o vazio da separação de filhos, maridos e esposas mortas conversando com eles sobre, talvez, as miudezas da vida familiar. Sim, há tudo isso e muito mais perfeitamente criticável. Ora, nenhuma definição literal resolverá o problema que pertence ao campo da educação, então, vamos fazer o esforço de educar para que a significação possa substituir a literalidade dos sentidos e, assim, resolver os problemas da individualidade diante da vida.A doutrina ensina claramente: a evocação é uma possibilidade real que pode ser utilizada quando oportuno e necessário. Kardec é de uma clareza imensa quando escreve sobre o assunto. Então Chico estava errado? Não, pelo amor de Deus, não cometamos mais um erro a favor da literalidade dos significantes. A flor que ofereço à minha amada é o significante que utilizo para expressar meus sentimentos a ela, mas as significações que ela fará desse meu gesto restarão das possíveis interpretações mentais que a ela pertencem. Tão somente quando ela verbalizar ou se expressar por outros significantes é que conhecerei dos sentidos que ela atribui às flores, signos do meu sentimento.

Tentemos entender Chico. Quando disse ele a conhecida frase? Após mais uma das muitas solicitações de uma mãe pedindo uma mensagem do filho morto? Ou algo parecido? Então, este é o contexto em que o significante apareceu e onde se situam as possibilidades múltiplas de ser interpretado. Fora do contexto o significante desaparece ou perde sentido, ficando à mercê das mentes que o empregam.

Chico, com certeza, não estaria a contrariar aquilo que aprendeu na doutrina, mesmo porque viveu, sabe-se de sobejo, milhares de situações em que recorria aos espíritos para se posicionar sobre questões importantes. Recorrer é evocar. Evidentemente, não o fazia quando podia falar por si mesmo, nem para resolver dúvidas naturais às responsabilidades do ser humano encarnado, pois essas são de sua estrita atenção. Isso explica uma das razões pelas quais se deve evitar recorrer aos espíritos. Outras nos esclarecem que, de um lado, os espíritos não são nossos serviçais e não se encontram à nossa disposição; outras mais nos dizem que se não houver critérios claros e sérios, pode o indivíduo ser levado a dialogar com espíritos enganadores e tornar-se presa fácil de seus desejos inconfessáveis. Leva-nos também a perceber que há médiuns ignorantes do conhecimento doutrinário, que se dispõem a atender consulentes ingênuos e a lograr ganhos com isso. Sim, tudo isso é verdadeiro e está claramente exposto nos livros básicos do espiritismo. Contudo, o significante da mediunidade não se resume aos espíritos enganadores ou ignorantes de muitas coisas.

A mediunidade enquanto conhecimento é um conjunto teórico que trata daquilo que Kardec chamou de escolhos da mediunidade e das relações permanentes entre vivos e mortos, seus mecanismos, suas condições, sua utilidade, sua integração com a natureza. A educação mediúnica produz seres conscientes, capazes de lidar com os fenômenos que estão na base de sua realidade de ser imortal, enquanto que a proibição pura e simples de relacionamentos com os espíritos tende a realizar o oposto.

Mas há também um detalhe fundamental em comunicação, seja ela de que tipo for, que não pode ser olvidado: a verdadeira comunicação é dialógica e se realiza em regime de mão dupla, ou seja, em um diálogo os falantes se alternam na posição de emissor e receptor e são intencionais, desejam dialogar, procuram-se para essa finalidade. Tal ocorre nas comunicações que se dão entre seres encarnados; porque deveria ser diferente quando se trata de comunicação entre indivíduos que estão na Terra e indivíduos que estão fora do corpo físico? Fosse assim não teria sentido dizer que todos pertencem ou possuem a mesma natureza.

Logo na introdução ao Livro dos espíritos se lê: “Os Espíritos se manifestam espontaneamente ou mediante evocação. Podem evocar-se todos os Espíritos: os que animaram homens obscuros, como os das personagens mais ilustres, seja qual for a época em que tenham vivido; os de nossos parentes, amigos, ou inimigos, e obter-se deles, por comunicações escritas ou verbais, conselhos, informações sobre a situação em que se encontram no Além, sobre o que pensam a nosso respeito, assim como as revelações que lhes sejam permitidas fazer-nos”.

Sim, dirão alguns, Chico Xavier ouviu de Emmanuel e André Luiz conselhos contra as evocações, conselhos extensivos a todos. Será? Consideremos que sim e perguntemos: então Kardec errou ou está ultrapassado nesse sentido? Absolutamente, não. O que está em crise de sentido não é o que ensina o codificador nem o que disseram contextualmente Emmanuel e André Luiz, mas as significações equivocadas dos interpretantes das falas que esses homens oferecem. Toma-se um conselho explícito, ligado a uma situação específica, como verdade absoluta para toda e qualquer situação. Este é o verdadeiro equívoco.

Tem mais. Como impedir que o ser humano processe seus desejos, suas preocupações, seus anseios e envolva neles os espíritos? Impossível. O ser humano dos nossos tempos é cada vez mais um ser mediúnico e, como muito bem ensinou Herculano Pires, vive a realidade da interexistencialidade, ou seja, está em relação permanente com os espíritos que, segundo Kardec, estão presentes no cotidiano social de maneira formidável e ampla. Ora, há aí um outro significado para este significante imprescindível: a evocação. E esse significado nos leva a perceber que promovemos evocações inconscientes diuturnamente, clamando pela presença ou pelo auxílio dos espíritos de amigos, familiares, superiores etc. Atendem-nos eles quando os chamamos pelos pensamentos que formulamos? Sim, atendem se podem, se sabem, se querem. No mais das vezes, vêm ao nosso encontro até mesmo antes de os evocarmos. Essa é a realidade expressa no conceito da interexistencialidade de Herculano.

A evocação intencional, explícita, objetiva, feitas pelos médiuns ou por seu intermédio é o que se pode classificar como o outro lado da moeda? Sim, quando se trata de saber que aqueles espíritos a quem gostaríamos de ouvir podem ou não estar disponíveis para atender ao chamado, mas também, quando esclarecidos, podem se recusar a vir até nós tendo em vista os nossos propósitos, dos quais discordam. É sabido que propósitos egoísticos não encontram eco nos espíritos esclarecidos, mas podem encontrar nos espíritos pseudos-sábios ou semelhantes, de cujo contato podem surgir consequências danosas.

Como se vê, o ser mediúnico de hoje é o ser interexistencial e este é um dos principais fenômenos a interessar o espiritismo, como deixou Kardec muito claro, uma vez que a vida que se desdobra para além da morte não separa as individualidades pensantes, antes, as integra. Por isso a importância da educação espírita, que não deve pensar o ser integral apenas como o espírito no corpo físico, mas, também, esses e sua realidade na natureza, no meio material, social e espiritual, numa coexistência real dos planos físicos e invisíveis, integrada e permanente, quebrando de vez a ideia antiga de planos separados, apartados e divididos. A realidade que o espiritismo revela é a de uma só e única sociedade e seus diversos campos de atuação, onde as individualidades se influenciam umas às outras por este meio evocador supra icônico: o pensamento.

Kardec optou pela valorização da liberdade. Optemos também por educar para a liberdade, antes de oprimi-la.

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