Romance mediúnico: arte ou engano?

Os romances dominam a prateleiras das livrarias
Os romances dominam a prateleiras das livrarias

A abundância de romances mediúnicos é sinal de qualidade, alta, baixa ou média? Uma resposta imediata a perguntas desse tipo é não! Nem a abundância nem a exiguidade são, em si mesmas, sinal positivo ou negativo, apenas uma questão de verificação quantitativa.

Um outro fator, aí, pode ser relacionado: o tipo fenomênico – a psicografia – como fonte de obras literárias assinadas por individualidades invisíveis, em franca expansão e se destacando dos demais tipos, até mesmo acobertando-os. Tem-se a impressão – verdadeira ou falsa? – de que a mediunidade tornou-se sinônimo de psicografia, tal a quantidade de obras e mensagens esparsas produzidas por essa via.

Ontem (quatro de janeiro de 2014), estive por alguns instantes em diminuta livraria do Aeroporto dos Guararapes, Recife, tempo suficiente para perceber e registrar (foto acima), entre livros de autoajuda econômica, financeira e psicológica inúmeros romances mediúnicos em posição paritária de destaque.

Confesso, não conheço nenhum deles e sequer sabia de sua existência, portanto, nada tenho a comentar sobre qualidade literária ou mediúnica dessas obras. Mas elas estão lá, foram editadas, publicadas e vendidas. Não se pode desconhecer isso.

A questão da qualidade é diferente da questão do gosto, pois não é este, o gosto, que garante a qualidade de uma obra literária. Sabe-se, perfeitamente, que inúmeras obras literárias, mediúnicas ou não, de qualidade atestadamente ruim são campeãs de vendas aqui, no Brasil, e mundo afora. No caso dos romances mediúnicos, a qualidade não se restringe às questões literárias, simplesmente, mas incluem a própria condição de recepção mediúnica como um fator relevante a qualquer análise.

E deixa ainda no ar uma outra indagação que tem sido feita ao longo dos tempos por pensadores espíritas: o romance mediúnico é capaz de oferecer noções concretas de doutrina espírita? Aqui não é difícil refletir: um leitor neófito, aquele que não conhece com segurança as obras básicas não será capaz de recolher dessas obras ficcionais uma visão minimamente clara dos princípios que norteiam o espiritismo. Já não ocorre o mesmo com um leitor experiente, com boa base doutrinária: este poderá construir uma análise da obra e julgá-la em seus diversos aspectos, inclusive aqueles que eventualmente estejam em divergência com esses mesmos princípios.

Quando um romance mediúnico alcança a condição de obra alinhada com o pensamento espírita passa, automaticamente, para a relação dos bons livros. Mas quando o seu conteúdo sofre contestações por conta de licenças literárias danosas ou pontos de vista que vão de encontro aos princípios doutrinários entra em cena o processo de recepção mediúnica. Por que? A razão é simples, conquanto pouco percebida: o médium tem participação ativa, direta, na construção do discurso ou texto final e, sendo assim, parte maior, menor ou total da qualidade da obra pode ser-lhe atribuída.

Não se trata de um tribunal acusatório, de condenação do médium. Trata-se, acima de tudo, de levar em consideração a participação mediúnica do intermediário, daquele que se coloca entre o espírito autor e o leitor, participação essa considerada por Kardec da máxima importância e no caso específico do fenômeno psicográfico a particularidade de o médium atuar como intérprete do espírito se acentua e torna-se decisiva para o produto final.

Ao falar em interpretação estamos nos referindo ao fato de haver alguém – o médium – que se coloca entre as ideias do espírito autor e as ideias do leitor, exercendo uma função que não é apenas “técnica”, ou seja, que não se circunscreve a “receber” um texto pronto e colocá-lo no papel, mas é eminentemente interpretativa; o médium necessita de entender as ideias que lhes são trazidas e precisa passá-las adiante, de forma codificada, textual.

Trata-se de um processo complexo, no qual o médium experimenta o desafio de “traduzir” de uma linguagem para outra aquilo que lhe chega como ideia, demandando, portanto, conhecimentos, repertório, habilidade de lidar com a língua e, não raro, vivências passadas e presentes.

Quanto ao fenômeno da psicografia e sua ascensão a sinônimo de mediunidade, é um caso para se pensar. Mas é fato que a psicografia vem ocupando cada vez mais espaço no cenário mediúnico e, curiosamente, vai se tornando um fenômeno caseiro, ou seja, dado que muitos centros espíritas não dispõem de infraestrutura doutrinária e psicológica para oferecer aos médiuns, estes acabam, em boa medida, se recolhendo aos seus lares e ali, distantes do convívio com outros médiuns, realizam seu trabalho. E se têm um bom texto, não encontram dificuldades para publicar seus livros, pois, de um lado há um público ávido desse tipo de obra e, de outro, editores e clubes de livros também ávidos por publicar e disponibilizar a literatura mediúnica ficcional.

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