Porque Chico não é Kardec

Hilda Nami, escritora e articulista residente em São Paulo, me escreve perguntando porque este assunto continua dominando e muitos aceitam a versão de que Chico Xavier foi a reencarnação de Allan Kardec.

Caríssima Hilda.

A questão não mais está submetida à razão, mas à emoção. Quando escrevi o livro “Chico, Você é Kardec?” tive a percepção de que estava laborando num terreno difícil exatamente pela predominância da emoção. E essa percepção não nasceu apenas por conta da imensa figura que fora o médium Chico Xavier, nem mesmo da inumerável quantidade de admiradores que amealhou em sua longa existência terrena. A verdade é que a mitificação do médium conduz a multidão de seus admiradores a colocá-lo no ponto mais alto do olimpo, na expectativa de que ele, lá, brilhe de modo perene. Convenhamos, a perspectiva de que ele seja Kardec o coloca em definitivo naquele lugar mais elevado.
Maturana, pesquisador chileno, desenvolveu uma tese interessante em que defende o fato de que o homem é emocional e não racional. A razão serve muito mais para explicar a emoção do que para qualificação do ser humano. Agimos e reagimos em função desse conteúdo emocional predominante e somente depois nos damos conta de refletir sobre o comportamento e as decisões que adotamos.
Chico Xavier e seu irmão, André Luiz, em 1952

Em vista disso, estabelecem-se duas possibilidades, tomando-se o caso Chico-Kardec por referência: aqueles que aceitam a tese de uma única entidade espiritual para os dois atores sociais sempre encontram razões para reforço da tese, referendando a afirmação de que só se vê o que se deseja; por outro lado, aqueles que não encontram sustentação nessa tese mais e mais se vêem fortalecidos nas razões que contrariam os argumentos favoráveis ao Chico-Kardec.
Há apenas uma maneira de lidar com a questão de modo objetivo: pelo emprego da racionalidade. Ocorre que o conteúdo emocional sempre desconfia da razão, de modo a colocar na defensiva aqueles que se postam no lado contrário dos negadores da personalidade única para Chico e Kardec. Ainda assim, haverá sempre a possibilidade de um encontro de interesses para solução da questão, mas esse encontro só pode acontecer tendo-se por parâmetro a racionalidade, ou seja, o enfrentamento da questão precisa ocorrer sob uma perspectiva científica, metodologicamente estruturada.
Os principais argumentos de sustentação da tese Chico-Kardec encontram-se reunidos no livro, ao lado dos argumentos contrários. Pode-se notar com clareza que os defensores da tese apóiam-se em elementos que não se sustentam racionalmente. Há uma predominância total do conteúdo emocional. É por isso que estes preferem o silêncio ou a manifestação isolada ao diálogo crítico.
Os argumentos pró Chico-Kardec são: coincidência de datas, importância da obra de Chico Xavier, supostas confirmações via mediunidade, fatos originários de conversas íntimas e algumas afirmações do tipo “sei porque sei”. Os argumentos contrários estribam-se na falta de provas convincentes, nas diferenças de personalidade entre os dois atores e numa crítica à sustentação dos defensores que tem por base argumentos contraditórios.
A defesa emocional da tese coloca os seus defensores em uma posição arredia à postura racional, mas em matéria tão complexa não há como encontrar solução se não for pela racionalidade, marca do trabalho de Kardec. O ponto de partida de qualquer estudo aí terá que ser a dúvida: será Chico a reencarnação de Kardec? Veja bem, a adoção desta dúvida implica já em dizer que Chico só poderá ser considerado a reencarnação de Kardec se forem obtidas provas ou evidências insuspeitáveis, portanto, já se parte da idéia de que enquanto não houver provas (que é o que corre, de fato, atualmente) Chico não pode ser tomado por Kardec.
Os defensores da tese terão muita dificuldade em se colocar neste ponto, porque já tomam como verdade aquilo que possuem em matéria de informação, seja o que resulta das experiências pessoais, seja o que advém das informações mediúnicas, apesar da fraqueza dessas evidências e do amplo predomínio dos fatores emocionais aí encontrados. Mas todo e qualquer interessado no esclarecimento do assunto será levado a compreender que é preciso tomar a questão com tranqüilidade e estudá-lo com isenção e objetividade, para então poder alcançar um dia a verdade.
Por tudo isso é que se precisa colocar a dúvida como ponto de partida, adotando-se a criteriosa postura do estudioso consciente de que nenhuma prova ainda foi colhida para que se pudesse dizer que Chico e Kardec foram a mesma personalidade.

Grande abraço do

WGarcia

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