Os disfarces de uma postura frente à questão política*

Ser de esquerda, de direita, de centro ou de qualquer outro ponto do espectro político é diferente do agir político que todo ser humano naturalmente se impõe, independente de quaisquer crenças ou ponto de vista espiritual.

As tecnologias da comunicação avançam, mas as questões éticas e morais permanecem como elementos indispensáveis ao bom jornalismo.

O debate in movimento espírita sobre política utiliza desvios e disfarces, mas não esconde opções e idiossincrasias. Na revista eletrônica O Consolador, edição de 22 de dezembro/2019, Jorge Hessen discute seu ponto de vista no artigo “O espírita diante do debate político e ideológico – “esquerdista” ou “conservador”?” Não vai bem o autor, por misturar coisas distintas e fazer interpretações capciosas. Antes, por dever, impõe-se distinguir duas coisas quando se trata de Doutrina Espírita: desde Kardec, tem-se por obrigação separar o Espiritismo da Política enquanto setor importante da Sociedade e, por extensão, jamais pretender criar no meio espírita qualquer forma de junção com a política partidária, não fazendo sentido, portanto, um velho anseio de alguns espíritas do passado pela criação de um partido político espírita.

O único partido que interessa à doutrina espírita se denomina Espiritualidade e, como se vê, este partido não é político. Contudo, o agir político não é estranho ao tema Espiritualidade e a toda a sua abrangência, porquanto, é o Ser Humano, que é ao mesmo tempo um ser político, o ator implicado com a Espiritualidade, que estabelece formas e define ações fundamentalmente políticas nas suas relações sociais.

Isto posto, resta esclarecer: qualquer espírita é livre para optar por seguir os caminhos da Política, tanto como o é por decidir adotar e integrar-se nos estatutos de um partido político que lhe seja afim. Em o fazendo, utilizar-se-á do direito à autonomia que possui e nem por isso deverá ser classificado como mal indivíduo, ou por qualquer que seja o adjetivo condenatório. Nenhum espírita com responsabilidades no campo político-partidário é imprestável ou desonesto apenas por filiar-se ao partido, qualquer que seja ele. É desonesto, imoral condenar um indivíduo adepto do Espiritismo apenas por suas preferências partidárias ou político-ideológicas. E é igualmente imoral utilizar-se do nome da Doutrina Espírita para fazer essas condenações, porque elas são de cunho e decisão unicamente do indivíduo que as faz e não têm nada a ver com a filosofia espírita.

Hessen, em seu artigo, não vai bem já a partir do título. Quando estabelece o confronto entre “esquerdista” e “conservador” deixa entrever sua parte pri. Por que não esquerda e direita, ou progressista e conservador, ou, ainda, já que transformou o substantivo em adjetivo, “esquerdista” e “direitista”? Uma vez haver optado por discutir doutrina e política – mesmo reconhecendo que a Política e o Espiritismo devem se manter cada um em seu campo – poderia ter sido mais assertivo e menos tendencioso já na escolha do título.

Reconheça-se: o autor entra de sola na defesa do seu viés interpretativo-doutrinário ao condenar os “progressistas” (que grafa entre sempre e continuadamente aspas, demonizando-os), assacando-lhes pejorativa e generalizadamente o gosto por “caviar”. O que o caviar tem a ver com a doutrina, que esteja além de um profundo desrespeito advindo de lamentável preconceito? Todo o seu primeiro parágrafo é um grosseiro discurso que beira as raias do desrespeito e da falta de decoro, que o espírita jamais poderia investir-se. Todos os adjetivos utilizados pelo autor são grafados entre aspas, de modo a evidenciar a ironia deselegante e obtusa, impiedosamente generalizada. E destina-se a qualquer um que se tenha colocado como progressista, revelando que, para ele, autor, quem faz uma opção dessa jamais pode ser espírita ou homem de bem. Assustadora revelação. Assim como agiu recentemente um espírita em seu jornal, ao classificar um confrade, dentre os diversos outros cuja hombridade é inquestionável, baseado no fato de ter sido ele ministro de um governo progressista e haver sido alvo de Fake News, ou seja, mentiras que acabaram sendo tomadas por verdade. Ora, vai mal o senso de justiça dessa gente desorientada doutrinariamente.

Hessen deixa de lado o bom senso exemplificado em Kardec para discutir a maneira como agem os que classifica “espíritas esquerdistas”, colocando em sua boca aquilo que ele, Hessen, conclui, mas sem dar uma única e sequer referência. O discurso diz ser doutrinário, é afirmativo do que pensa a doutrina, mas é no fundo a ideia política do próprio autor. Tiradas doutrinárias servem apenas para perfumar o discurso. Como nesse trecho: “Os “espíritas” esquerdistas creem no lema “de cada qual, segundo sua capacidade; a cada qual, segundo suas necessidades”, por isso os “espíritas progressistas” divergem de Kardec, dizendo que o Codificador se equivocou quando afirmou que é um ponto matematicamente demonstrado que a fortuna igualmente repartida daria a cada qual uma parte mínima e insuficiente”. Um bom e honesto discurso daria referências seguras, mas antes cuidaria de aprofundar questões de conteúdo, deixando às ondas as folhas da superfície.

Como observa o leitor atento, o artigo referido só destaca a falta de qualidades intelectuais e morais dos “espíritas progressistas”. Fosse um cotejo de ideias de esquerda e de direita, sobressairia o equilíbrio, e o modo de ver de cada lado ideológico. Ou seja, o autor se coloca no lado extremo dos espíritas progressistas, sem o declarar, coisa ademais desnecessária por evidente. Dali, atira para todos os lados, visando acertá-los pela desqualificação de seus ideais, que não podem ser honestos e meritórios unicamente porque são estes espíritas nocivamente progressistas.

Seria bom tomar por questões importantes aquelas que encontram indiscutível respaldo doutrinário, tais como Justiça Social e Direitos Humanos, temas diretamente afetos à Política. E seria proveitoso discutir esses temas amplos, abrangentes, sob a perspectiva de uma política superior baseada no guarda-chuva da Caridade, que o Espiritismo coloca como de amplitude cósmica. A Caridade, a Justiça Social e os Direitos Humanos encontram no mundo material e espacial todos os ingredientes que interessam de perto à Política, esta como sendo uma das formas de implantar o Bem e o Belo.

O autor, porém, mostra preocupação com sua própria ideologia, como o faz de modo enfático: “Regurgitam os tais “espíritas progressistas”, questionando por que supor que Deus é o agente da concentração de riquezas?” Ou seja, ele desce às migalhas, ao varejo, não para convidar às reflexões do interesse público, sublime e superior que o Espiritismo muito bem oferece, mas às que expõem uma ideologia pessoal, particular. Em certo momento, sem dar o braço a torcer, quase reconhece as pautas dos progressistas ao dizer: “É bem verdade que a desigualdade social ou econômica é um problema presente em todos os países (ricos ou pobres), decorrente da má distribuição de renda e, ademais, pela falta de investimento na área social. Compreendemos que uma repartição mais equitativa dos “bens” é imprescindível”. O seu estar “presente em todos os países (ricos ou pobres)” é uma maneira de minimizar as injustiças modelares do sistema socioeconômico brasileiro, que os oponentes dos espíritas progressistas tentam proteger, talvez pela vergonha de o apoiarem.

Sobressalta, vale repetir, a ideologia do autor, contrária à dos “espíritas progressistas” neste discurso que é, por isso mesmo, discurso político, discurso de política, que ao autor se permite, mas nega a outrem, discurso encerrado com uma citação emmanuelina, na qual o conhecido Espírito afirma exatamente o oposto daquilo que Hessen condena nos espíritas “esquerdistas”: “(…) consideramos que a pobreza, a miséria, a guerra, a ignorância, como outras calamidades coletivas, são enfermidades do organismo social (…)”. Ora, se Emmanuel diz o óbvio e o autor respalda, então sua crítica desengonçada aos espíritas progressistas está baseada muito mais num sentimento envergonhado do que na crença verdadeira de que os progressistas não são e não podem ser espíritas. Enfermidades do organismo social se combate com Justiça, Direitos Humanos e Caridade no seu mais elevado sentido.

    *Por direitos iguais, sem injustiças

Uma carta e um artigo publicados em local inapropriado.

O texto acima foi publicado neste 5 de janeiro de 2020, na seção Cartas, da revista O Consolador, embora tenha sido enviado com pedido de publicação normal, solicitando o mesmo direito dado ao autor do artigo analisado. Esta é uma prática, no mínimo, estranha ao bom jornalismo, uma vez que dá a um autor o direito que nega ao outro. Quando do envio da matéria, recebi de imediato a resposta positiva de publicação do artigo. Na sequência, recebi outro comunicado assim dizendo:

“Caro amigo, complementando o e-mail que lhe enviei, informo que sua mensagem e seu texto serão publicados na seção de Cartas da próxima edição da revista. Caso Jorge Hessen, por você citado no texto, decida replicar, o que ele escrever será igualmente publicado na seção de Cartas. O procedimento ora informado parte de uma decisão tomada pelo Conselho Editorial de nossa revista, algum tempo atrás, em situação semelhante. Desde então, em caso de contraditório, quando houver citação do nome de um articulista qualquer, a matéria deve ser deslocada do setor de Artigos para o setor de Cartas. Quanto ao conteúdo do artigo do Jorge, lembro-lhe o que já escrevemos na revista em mais de uma oportunidade: a opinião dos articulistas não coincide necessariamente com a opinião da direção do periódico.”

Respondi, de imediato: “Respeitando as regras estabelecidas pelo Conselho, embora discordando em vista do procedimento normal em jornalismo, que seria, como creio que sabe, ocupar um espaço semelhante ao da publicação ora contestada, uma vez que não se trata de correspondência, mas de matéria opinativa, creio eu que estou dispensado de manter o ineditismo do artigo que lhe enviei.

A Revista O Consolador cometeu uma arbitrariedade para com este articulista e outra para com os seus leitores: negou, por um lado, o direito de publicação com destaque e espaço dado ao autor contestado e, quanto aos seus leitores, entregou-lhes uma publicação como se correspondência fosse, quando, na verdade, a carta que seguiu com o artigo não se destinava à publicação – apenas o artigo deveria ser publicado e em local apropriado a ele.

Feitas essas observações, registro que mantenho pela revista O Consolador e seus responsáveis antiga e grande admiração, mas não posso omitir a imensa injustiça e o estranho comportamento jornalístico ora adotados, seja em respeito aos leitores, seja à ética jornalística, seja, enfim, ao direito de opinião. WG

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