O jardim da infância dos espíritos adultos

A percepção do significado do conhecimento está na razão direta da maturidade do espírito. Daí porque o sentimento de justiça, o bem e o belo colocarem desafios permanentes ao ser humano do nosso tempo.

A maturidade é considerada o momento supremo em que o ser reúne todas as condições físicas e psíquicas para encarar a vida de um ponto de vista livre e objetivo. Talvez, Herculano Pires tenha dado a dica sobre esse estado de espírito quando faz a crítica da imaturidade: diz mais ou menos assim: vivemos que nem galinhas, preocupados com as migalhas. Ou seja, o ser comum se incomoda com tudo e com nada, tornando-se policial das miudezas, sentinela de ratos, paparazzo de cenas grotescas ou reprodutor incansável dos seus breves minutos de fama. Assim, tem muito poucas chances de perceber a essência da vida, que desfila quase invisível pelas paredes descoloridas do não significado.

Serão as migalhas de Herculano o sinal da imaturidade doutrinária?

É de se pensar, afinal, há mais gente espírita preocupada com o elixir da felicidade do que com os conflitos naturais do conhecimento, únicos capazes de desconstruir a ilusão das migalhas e ferir de morte o tempo dedicado a elas. Temos mais problemas fundamentais a absorver do que necessidade de coisas miúdas, mas estas parecem nos alcançar com mais força e nos dominar as preocupações.

Se a Terra já não é mais um mundo primitivo no sentido civilizatório, ainda assim continua povoado de seres imediatistas, ciscando em termos materiais e deixando vazar a violência potencialmente ainda existente em seus arquivos mentais, tudo por conta de irrelevantes pepitas amarelas de tamanho insignificante, para cuja valorização precisamos de milhares delas e anos de perda de importância enquanto seres humanos.

O espiritismo encontra-se hoje em uma encruzilhada: trata-se de um movimento majoritariamente retido nas migalhas de religiosismo doutrinariamente ultrapassado, preso no sonho milenar do paraíso e submetido à ilusão do suposto poder do nome de Jesus, algo que, linguisticamente, até, não guarda relação com a realidade do homem de Nazaré, pois a palavra que utilizamos para nomear as coisas é totalmente independente dessas mesmas coisas. Quando se tornam mantras (como ocorre atualmente entre os integrantes da massa espírita em relação ao nome Jesus), afastam-se ainda mais do foco que lhes deu origem e alojam-se tão só nas psiques iludidas dos seus utilizadores.

Na outra ponta da doutrina espírita está o conhecimento, cuja apropriação não pode ser relacionada às migalhas da informação fragmentada que alimentam a imaturidade. Mas esta condição se perde em meio ao brilho do ouro que gera crenças e ilusórias imagens paradisíacas, substitutas na contemporaneidade daquelas imprecisas miragens de oásis no deserto da ignorância. A imaturidade doutrinária prepara pedintes e não lideranças verdadeiras, independentes, livres, capazes de discernir entre o falso brilho do ouro e o verdadeiro bem, assim como dispostas a defender a verdade das insinuantes hordas de mentiras dispostas a manter o atraso do saber. Os pedintes se alegram com as migalhas, sem perceber que delas precisarão diuturnamente e apenas para manterem a vida medíocre, enquanto que as lideranças conscientes desprezam as migalhas para se dedicarem à construção do mundo superior onde os homens hão de predominar sustentados pelo conhecimento libertador.

Justo, pois, concluir que vivemos uma espécie de jardim da infância do espírito adulto, onde a essência espiritual já não disputa espaço nas cavernas por inevitável progresso. Porém, majoritariamente imatura, não consegue perceber que há uma razão nobre que impulsiona à sublimidade da vida, justificando e dispensando a preocupação com as migalhas.

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