O espiritismo não se tornou popularmente contraditório por culpa exclusiva dos adeptos

O grande dilema enfrentado atualmente é a transformação do espiritismo em uma religião instituída de forma oficial. Isso impede que as pessoas atraídas por sua mensagem conheçam o quanto a doutrina organizada por Kardec pode ajudá-las a libertarem-se da heteronomia que as asfixia.

A visão milenar que se tem de Jesus é aquela produzida pelas religiões cristãs dogmáticas e explícitas na mensagem que passam, baseada num misto de libertação e prisão ao mesmo tempo, com sua saga de pecado e punição, queda e expiação. Para contrapor uma outra mensagem, que de fato deveria ser prioritária, o espiritismo ensina com seus princípios básicos que a vida na Terra não se destina ao sofrimento e que o ser humano não reencarna para padecer por culpas, para viver em expiação, mas para a realização, para o progresso, com vistas, pois, à felicidade.

No livro PONTO FINAL, o reencontro do espiritismo com ALLAN KARDEC, buscamos resgatar a mensagem original de Kardec com a demonstração dos fatos que levaram às distorções e o trouxeram assim até os nossos dias, especialmente no Brasil. O objetivo do livro, portanto, não é tratar dos valores negativos trazidos para a doutrina e mesclados a ela após a ausência física daquele que a produziu. O livro trata, fundamentalmente, da oposição entre AUTONOMIA e HETERONOMIA, para entrar no ponto principal que é a desfiguração que atinge inevitavelmente o espiritismo quando é apresentado dessa forma, como se nele convivessem de modo harmônico esses dois fenômenos.

O espiritismo nasceu autônomo e sua mensagem é de autonomia dos seres humanos. O confronto estabelecido no pós Kardec, por aqueles que empunharam a bandeira da heteronomia baseada em Jean Baptiste Roustaing, fez com que capitulassem aos poucos os soldados da boa guerra e se implantasse ao longo do tempo duas mensagens antagônicas, como se ambas contivessem uma única e só verdade.

Para que tal fenômeno pudesse ser compreendido, utilizamos no livro de documentos importantes, especialmente cartas de Kardec, nas quais deixa claro que não aprovou nem participou desse concerto orquestrado com vistas a tornar a doutrina uma mescla de propostas antagônicas capaz de seduzir e enganar, mesmo sob o alerta constante de inteligências lúcidas que apontaram para a impropriedade ou a impossibilidade de convivência pacífica entre a autonomia moral e a heteronomia das doutrinas dogmáticas.

A chamada unificação do movimento espírita brasileiro não passou de entrega do poder nas mãos dos defensores da heteronomia, de modo ingênuo, pois que esperavam os participantes dessa orquestração que o espiritismo viesse a triunfar. É por isso que espíritas de peso como Herculano Pires, fizeram oposição ao acontecimento desde o primeiro momento, com Herculano, inclusive, apontando para o fato de que a heteronomia acabaria por preponderar, levando de arrasto o povo e as lideranças. Foi por isso que deixou claro que as federativas estaduais, capituladas à mensagem trazida pelo canto da sereia, se vinculariam direta ou indiretamente com a absurda proposta roustainguista de retorno ao dogmatismo católico. O tempo confirmou que Herculano estava certo já naquela época.

No Brasil, a junção das duas mensagens opostas entre si gestou um movimento cultural híbrido e o poder alcançado pela federativa nacional fez dela, sob o olhar complacente das suas congêneres estaduais, a disseminadora desse monstrengo tupiniquim que ao mesmo tempo exalta a liberdade e a castra, valoriza o espírito e o reduz, ensina a importância da Razão e proclama a fé mística, enfim, que faz com que a figura humana de Jesus retorne ao mastro e se reduza a mera bandeira de luta.

No livro PONTO FINAL, o reencontro do espiritismo com ALLAN KARDEC não fazemos mero discurso, não criamos nenhuma narrativa com vista a ser agradável e menos ainda fazemos a defesa de pontos de vista pessoais. Utilizamos de documentação para amparar uma história que em sua maior parte foi posta distante do olhar comum. São esses documentos que mostram o processo pelo qual foi forjada a supremacia de Roustaing no campo da fé. Mostram mais, que a moribunda ideologia agregada ao espiritismo se baseia em fenômenos mediúnicos onde a farsa e a ilusão criaram o espaço ideal da fascinação, essa classe de obsessão na qual as mentes submetidas perdem a capacidade de raciocínio e o uso do livre-arbítrio. Foi sob essas condições que o roustainguismo progrediu e estabeleceu um domínio que dura mais de 150 anos no Brasil.

Ao contrário, portanto, do que entendem alguns, o livro PONTO FINAL não é a história do roustainguismo em nosso país, mas a narrativa da saga entre a autonomia moral de Kardec e a heteronomia da velha dogmática católica representada pelo advogado famoso de Bordéus. Por absurdo que possa parecer, Kardec sufocado perde, mas perdem muito mais os seres humanos, que ficam distantes da mensagem que o fundador do espiritismo oferece na forma de conhecimento que dignifica e liberta.

7 Comments

Olá, seu comentário será muito bem-vindo.

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.