O espírita, o espiritismo e os congressos

 

Nota-se uma grande diferença quando comparados o formato, os objetivos e os resultados dos congressos feitos nos diversos campos do saber e os que são realizados nos meios espíritas. Todos buscam o progresso, menos os espíritas, que pretendem apenas uma acanhada divulgação.

 

É preciso dar um basta nesse repetitivo, retrógrado e pernicioso modelo de congresso que se vê nos meios espíritas da atualidade. É preciso lutar contra essa mentalidade medíocre que se instalou e que determina que o progresso do espiritismo fique estacionado nas conquistas do passado, como se a doutrina estivesse completa em termos de conhecimento, resolvida enquanto formadora de consciências e alcançado a excelência do saber, como se depois dela nada mais houvesse. Temos que dissolver essa ideia de que tudo o que nos resta é aprender melhor o que está posto, como se o que está posto não possuísse ligação com o que veio ou virá da filosofia e da ciência.

Meus amigos de diversas áreas – do Direito, da Saúde, da Educação, dos Esportes, da Política e tantas mais – saem de seus habitats profissionais e viajam distâncias às vezes incomensuráveis, gastam significativas somas financeiras para aprender, adquirir novas técnicas e acompanhar o que há de mais expressivo e atual no mundo do conhecimento, enquanto os espíritas fazem tudo isso para simplesmente ver oradores famosos, ouvir palestras de temas repetitivos e confraternizar risonhamente nos intervalos festivos.Meus amigos me contam que nesses eventos conhecem novos pares, trocam experiências sobre seus afazeres profissionais com o que se dizem enriquecer, fazem acordos com instituições de variados locais do mundo para estágios e práticas, tiram dúvidas e reformulam suas técnicas, ampliam seus horizontes com possibilidades que surgem desses instantes interativos, enquanto os espíritas nos damos por satisfeitos por ter escutado a voz de médiuns elevados a ídolos, por ter cumprimentado personalidades exaltadas pelas mídias sociais e ter ouvido a confirmação de que o espiritismo é a mais extraordinária doutrina que jamais apareceu na Terra.

Esses mesmos amigos me dizem que quando esses eventos não entregam o que prometem, fazem protesto, reclamam do engano a que foram induzidos; dizem que se percebem que os eventos já prenunciam pobreza quando de sua divulgação na mídia, comunicam-se entre si e boicotam o evento, principalmente quando eles são patrocinados por instituições caça-niqueis ou interesseiras, onde não há o objetivo verdadeiro de ampliar o conhecimento. Os espíritas, não, estes se sujeitam aos resultados e em nome de uma falsa fraternidade se calam, porque não querem ser pedra de tropeço e nem de leve pensam em ser excluídos por se tornarem uma voz dissonante, embora justa e verdadeira.

Ah e ainda dizem-me os amigos que os verdadeiros cientistas, os destacados pesquisadores, os estudiosos dos diversos campos do saber não temem ser contraditados, não se acanham quando suas teses e conclusões são reformuladas, suas opiniões são colocadas em cheque, porque sabem que nesses cometimentos essa possibilidade não é duvidosa, antes faz parte do contexto do progresso do conhecimento e só os néscios, dizem-me, os demasiadamente vaidosos, colocam-se atrás de uma barreira protetora, mas que ainda assim são enfrentados quando a verdade (mesmo que temporária) se coloca no momento irretorquível. Os espíritas, sempre muito sensíveis, preferem exaltar a palavra das suas autoridades, se colocam temerosos e desconfiados de alguém que tente dizer coisas que tais autoridades não aceitam e ficam, assim, satisfeitos e enlevados com as mensagens mediúnicas lidas da tribuna concitando à fraternidade e à união.

Assumiu-se nos nossos meios espíritas a postura da verdade concluída, a percepção de que conhecimento é só o que vier dos Espíritos por meio dos médiuns confiáveis segundo os parâmetros das autoridades. O mundo muda, o Universo ora é plural, ora retorna a ser uno, mas os espíritas se sentem confortáveis com a afirmação de que têm muito a aprender com aquilo que já foi apresentado por Kardec, de modo que não devem mais perder tempo com outras coisas enquanto não se tornarem experts em Kardec. Então, para que se preocupar com o conhecimento se já estão sobrecarregados com a doutrina, não é mesmo?

Nossos congressos espíritas não são mais baratos do que os congressos em geral. Da mesma forma que o comparecimento a estes, os eventos espíritas implicam em transporte, alimentação, estadia e inscrição. Oferecem, com a mesma desobrigação dos demais, produtos como livros, modas, divertimentos, passeios turísticos e eventos culturais que, se utilizados, implicam também em custos consideráveis. Portanto, a diferença entre aqueles eventos e os nossos está fundamentalmente nos objetivos e nos resultados. Aqueles visam o mais saber e os nossos o mesmo saber.

A escolha dos que devem apresentar seus trabalhos nos congressos em geral obedece à oferta do conhecimento que acresce ou pode acrescer ao saber do público alvo. Tanto são convidados por escolha da coordenação, como o são por oferta dos próprios pesquisadores e estudiosos dos diversos campos do saber. Quando, entre estes, aparecem nomes já consagrados, evidentemente, estes se tornam o carro chefe do marketing para o evento, porque quando o marketing aparece na frente do conhecimento o público alvo tende a desconfiar e com isso a pôr em risco a respeitabilidade do evento e seus patrocinadores. Entre nós, espíritas, dá-se o inverso, porque o que temos por objetivo não é o conhecimento, mas o sucesso em termos de divulgação do espiritismo e do empoderamento das lideranças. O nome do palestrante ou orador vem antes e independentemente do saber, porque sobre seus ombros se coloca o sucesso do congresso. E porque não temos uma variedade de nomes com essa capacidade de atrair o público, não há saída senão repetir os nomes.

Nos congressos do conhecimento, a coordenação define o tema geral e os subtemas, apenas por uma questão de normatização, sem estabelecer limites asfixiantes que impossibilitem que assuntos correlatos possam ser aceitos. Cada um escolhe livremente o seu estudo e o oferece dentro do enquadramento definido. Entre os espíritas, quem define os temas, subtemas e assuntos gerais é uma sobrecarregada comissão, quase sempre enquadrada nas regras culturais internamente estabelecidas que orientam o que pode ou não ser aceito e quem pode ou não ser convidado. Por isso mesmo, o conhecimento está sempre em segundo plano ou a percepção do conhecimento é deliberadamente desviada, de modo a evitar o conflito público.

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