Edson Queiroz – os conflitos da mediunidade de cura

Morto de forma trágica aos 41 anos de idade, Edson Cavalcanti de Queiroz foi um médium de cura pernambucano de projeção nacional sobre o qual, hoje em dia, pouco ou nada se fala. Algumas pessoas, ao saberem de minhas relações com ele à época em que atuava perguntam-me se ele era de fato médium. Jamais tive dúvida disso. Assisti a inúmeros feitos dele, dentro e fora do país, acompanhei-o em jornadas memoráveis, onde pude presenciar fenômenos mediúnicos pouco vistos.

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O médium Edson Queiroz operava sem anestesia e assepsia.

Conheci Edson Queiroz em Salvador, Bahia, durante o VIII Congresso Brasileiro de Jornalistas e Escritores Espíritas de 1982. Edson fora ao congresso por conta própria; desejava fazer-se conhecer. Na noite em que ele realizara uma sessão mediúnica, em ambiente fora do congresso, eu não estava presente por conta de outros compromissos. Mas minha equipe do jornal O Semeador e do Correio Fraterno do ABC compareceu. Lá estava, também, a Dra. Maria Julia Prieto Perez, então secretária da Associação Médico-Espírita de São Paulo. A deduzir dos relatos que recebi, o conflito que se estabelecera na ocasião entre a Dra. Maria Julia e o espírito do Dr. Fritz tomou proporções enormes e ultrapassou aquele evento.

Maria Julia Prieto Peres
A Dra. Maria Julia teve conflitos sérios com o espírito do Dr. Fritz.

Edson Queiroz prontificou-se a fazer alguns atendimentos cirúrgicos para os interessados, mas precisava de um local onde a sessão pudesse realizar-se com tranquilidade. Carlos Bernardo Loureiro ofereceu a sede do Teatro Espírita, um prédio ainda em construção e, portanto, sem condições higiênicas adequadas. Foram todos para lá. Quando o Dr. Fritz realizava uma das intervenções ouviu da Dra. Maria Julia críticas das quais não gostou. Questionava ela, entre outras coisas, por que o espírito realizava intervenções naquelas condições inadequadas, fazendo estardalhaço e agindo de forma desnecessária, inclusive com o uso de instrumentos cirúrgicos quando a espiritualidade poderia valer-se de tecnologias melhores. A certa altura, para confronta-la, o espírito pegou um sapato e fez cair poeira no local da incisão do paciente em atendimento, o que deixou a Dra. Maria Julia ainda mais contrariada. Dr. Fritz dizia que era para provar aos incrédulos que havia forças desconhecidas capazes de controlar a situação. O fato é que Edson Queiroz impressionou grande parte dos presentes.

Tomando ciência dos fatos, fui convencido pelos meus repórteres a fazer gestões junto à presidência da Federação no sentido de patrocinar a ida a São Paulo do médium, uma vez que ele próprio manifestou interesse em fazer-se conhecido para além do Nordeste brasileiro. A oportunidade surgiu quando Nazareno Tourinho viajou de São Paulo para o Rio de Janeiro, para depois seguir para Belém do Pará, sua terra natal. Ligou-me do Rio para dar uma notícia: falara com Edson Queiroz e este desejava ir a São Paulo e apresentar-se para um grande público. As datas: 31 de março e 1 de abril de 1983. Foi desta forma que o médium pernambucano começou sua projeção em nível nacional e a Federação Espírita de São Paulo, de forma corajosa e inusitada, abriu suas portas para um evento dessa natureza.

Quando foi anunciada a presença do novo Arigó dos espíritos em São Paulo, um número extraordinário de pessoas correu à Federação, formando uma fila calculada em cerca de mil pessoas. Quando começou a operar, o Dr. Fritz afirmava desejar que todos fossem atendidos, mas isso era humanamente impossível. Apenas dez por cento receberam autorização para entrar e, dentre estes, dez pacientes foram designados para voltar no dia seguinte.  Edson foi muito bem sucedido. Jorge Rizzini, que escreveu e filmou intervenções cirúrgicas do Dr. Fritz pelo médium Zé Arigó, tendo com estes uma convivência íntima de mais de dez anos, ficou bem impressionado e não teve dúvidas em afirmar tratar-se do mesmo espírito, com as mesmas formas de atuação que o caracterizaram no passado. Suas palavras foram: “não reconheci, apenas, as características psicológicas do Dr. Adolfo Fritz durante, inclusive, uma conversa íntima que tivemos. Reconheci-o, também, pela sua inimitável técnica operatória – técnica sui generis que ele empregava através de Zé Arigó e que hoje vem empregando através do médium e médico Edson Cavalcanti de Queiroz”.

Dentre as dez pessoas designadas para a sessão pública do dia seguinte, 1º de abril, estava Deolindo Amorim, a quem o Dr. Fritz atendeu reservadamente. Os demais foram operados pelo espírito diante uma grande plateia, de forma mais demorada que a comum porque o Dr. Fritz desejava – e o fez – explicar o procedimento e os objetivos de cada cirurgia. Tudo correu dentro dos planos traçados, sem intercorrências, na presença de dezenas de personalidades espíritas, tais como: João Batista Laurito, presidente da Federação, Américo de Souza Borges, presidente da Associação de Jornalistas e Escritores Espíritas, o professor Rino Curti, o escritor R. Ranieri, Hernani Guimarães Andrade, do Instituto Brasileiro de Pesquisas Psicobiofísicas, e a médium Zíbia Gasparetto.

Mas uma crítica surpreendente apareceu na edição seguinte do jornal Folha Espírita, subscrita pelo radiologista e presidente da AME-SP, Antonio Ferreira Filho, na qual dizia que uma das pacientes sentiu dores imensas durante a cirurgia para retirada de um nódulo no seio, emitindo gritos e chegando a desmaiar pelo menos por duas vezes. Era estranho que somente ele tenha notado tais coisas; um auditório com tanta gente em torno da paciente não foi capaz de registrar uma única voz contrária sobre o mesmo fato, apenas os próceres da AME-SP. Estabeleceu-se uma verdadeira batalha, desde então. De um lado, os membros da AME-SP, acusando sempre que possível, o médium e, de outro, alguns defensores de Edson Queiroz. O jornal Correio Fraterno do ABC acabou constituindo-se na principal tribuna para defesa do médium pernambucano. Rizzini, com sua verve viril, publicou um artigo de página inteira, sob o título de “O bisturi do Dr. Fritz e a mentira”, onde não só acusava a AME-SP de desonestidade neste caso específico mas, também, em outras ocasiões, como em um relatório produzido por alguns de seus membros condenando Edson Queiroz, relatório este que foi entregue ao Dr. Oswaldo Gianotti Filho, ferrenho adversário do Espiritismo e que vinha combatendo o médium na TV. O artigo termina com a transcrição de uma declaração assinada por Márcia Ferreira, a paciente que fora operada do nódulo no seio, afirmando com todas as letras que não sentira dores, não desmaiara em nenhuma ocasião nem gritara, como havia sido publicado pelo presidente da AME-SP.

Diversos trabalhos foram ainda publicados em defesa de Edson. No Rio de Janeiro, Deolindo Amorim, falando em nome do Instituto de Cultura Espírita do Brasil, fez circular um vigoroso documento de apoio ao médium e publicou ainda, em seu próprio nome, artigo reforçando o trabalho de Edson; seguiram-no Carlos de Brito Imbassahy, Eduardo Simões, Aureliano Alves Neto, Eduardo Carvalho Monteiro e até Divaldo Pereira Franco se pronunciou.

Edson Queiroz atingiu seus objetivos: o interesse por ele cresceu e se expandiu a todo sul e sudeste do país. Ele nos pediu apoio e juntos, Rizzini, Nazareno Tourinho e eu resolvemos atende-lo, mas colocamos uma condição única e impostergável: em conversa reservada, explicamos-lhe que a mediunidade de cura, por suas repercussões, exercia uma grande atração sobre a sociedade e, em vista disso, as investidas para obtenção de benefícios e atenção particular, com ofertas de facilidades de toda espécie viriam de modo inevitável. Era, preciso, pois, que o médium se comprometesse a seguir um caminho de retidão de caráter, criando um escudo contra as solicitações e ofertas de toda espécie. Edson reconheceu as dificuldades que teria pela frente e assumiu o compromisso de manter-se merecedor da credibilidade.

Passamos a intermediar suas idas ao Estado de São Paulo, sempre oferecendo-lhe apoio e divulgação de suas atividades, ao mesmo tempo em que combatíamos os adversários dele instalados na AME-SP. Estes, contudo, continuaram exercendo críticas severas ao médium e ao espírito do Dr. Fritz, o que não constituía nenhuma novidade, pois, historicamente, alguns membros da comunidade médica espírita se colocaram contra a mediunidade de cura, como o fez o Dr. Ary Lex, um dos fundadores da AME-SP, em relação a Zé Arigó, fato este que levou Herculano Pires a colocar-se ao lado do conhecido médium mineiro e a defender suas atividades mediúnicas de modo firme.

Foi grande o estardalhaço devido ao posicionamento da AME-SP. Maria Julia Prieto Perez, Marlene Nobre e Antonio Ferreira Filho formavam um trio de combate ao médium pernambucano e aproveitavam todas as oportunidades para atacar Edson pela imprensa, sem, no entanto, possuir qualquer documentação segura para embasar sua posição.

Inúmeras tentativas de conciliação entre as partes foram feitas; Edson Queiroz chegou mesmo a concordar em realizar sessões mediúnicas exclusivamente voltadas à pesquisa científica coordenadas pela instituição médica, mas as condições draconianas colocadas pelos membros da AME-SP eram tais que impediram que os estudos se realizassem. De fato, era questão assente na AME-SP que tal tipo de mediunidade, nas características presentadas pelo espírito do Dr. Fritz, eram recusadas a priori e não havia, de fato, interesse em estuda-la. Existia um preconceito arraigado contra o uso de instrumentos cirúrgicos, como o bisturi, e da falta de anestesia e assepsia, fato este tido como uma afronta ao saber médico e, portanto, não aceito de modo algum. O mesmo se dera quando da eclosão da mediunidade de cura em Zé Arigó. Parece que o conflito estabelecido entre Dr. Fritz e Maria Julia, na sessão realizada em Salvador, estendeu-se a tudo o que dissesse respeito a Edson Queiroz.

Denúncias contra o médium chegaram ao Ministério Público em São Paulo e um inquérito foi aberto na polícia civil, inquérito este que contou com o testemunho contra Edson por parte de alguns membros da AME-SP, fato este extremamente grave em se tratando de um colega de profissão e companheiro espírita no exercício da caridade mediúnica. No Correio Fraterno do ABC denunciamos o fato mais de uma vez, mostrando como o orgulho humano não tem limites, cores ou controle moral. E com o apoio da editora do jornal, publicamos e distribuímos gratuitamente 5 mil exemplares do opúsculo intitulado “Médicos-Médiuns”, contendo um estudo feito a partir de reflexões de Allan Kardec sobre o assunto.

O livro de Nazareno Tourinho tem o prefácio de Hernani Guimarães Andrade.
O livro de Nazareno Tourinho tem o prefácio de Hernani Guimarães Andrade.

Nazareno Tourinho resolveu reunir com Edson Queiroz todo o material até então catalogado, referente a inúmeras intervenções cirúrgicas realizadas por ele em Pernambuco. Para isso, passou vários dias em Recife, em pesquisas, para então escrever o livro Edson Queiroz, o novo Arigó dos espíritos, publicado pelo Correio Fraterno do ABC, no qual incluímos um relato com imagens fotográficas das cirurgias realizadas por ele na Federação Espírita de São Paulo. O livro recebeu o prefácio do Dr. Hernani Guimarães Andrade. A primeira edição de 5 mil exemplares foi totalmente vendida, mas o livro apresenta uma curiosidade: tempos depois de lançado, apareceu em versão alemã, sem o que o seu autor, Nazareno Tourinho, tivesse conhecimento, fato que foi depois esclarecido: a autorização para sua versão para a língua de Goethe foi dada, inadvertidamente, pelo próprio médium.

Em 1984, Edson nos convidou, a mim, ao Rizzini e ao escritor R. Ranieri para acompanha-lo até Montevideo, onde iria realizar atividades mediúnicas a convite de um canal de TV local. Rizzini não pode ir e Ranieri não conseguiu embarcar por ter esquecido os documentos em casa. Devido ao regime militar vigente no Uruguai na ocasião, a sessão com Edson Queiroz teve de ser realizada a portas fechadas para apresentação aos telespectadores somente depois da partida da comitiva de volta ao Brasil. Sobre essa sessão, apresento um relato sumário em meu livro Os espíritos falam. Você ouve?

A procura por Edson Queiroz se tornou intensa e incontrolável. O médium quase não parava mais em Recife, onde clinicava como médico ginecologista em seu consultório particular. Começaram a aparecer denúncias esporádicas contra ele, acusando-o de receber dinheiro e presentes caros, algumas, inclusive, dizendo que ele estava cobrando pelos atendimentos mediúnicos. Edson era alvo de interesse da mídia, dando entrevistas para TVs, rádios e jornais com bastante assiduidade. De todas as classes sociais partiam solicitações para atendimentos, inclusive, em caráter particular, quando, então, Edson era hospedado em hotéis luxuosos e viajava, não raro, em aviões particulares. Houve o caso de um dos mais ricos empresários do país que, certa ocasião, mandou ligar para Edson em Recife, avisando que o seu avião já estava a caminho da capital pernambucana, a fim de leva-lo a São Paulo para atender sua esposa doente. O aviso estava acompanhado de outro: que ele não se preocupasse, pois o que deixasse de receber por não atender aos seus pacientes no consultório particular seria ressarcido com sobras.

Quando esse tipo de denúncia nos chegavam em São Paulo, um amigo particular me procurou com o insistente pedido para que programássemos a ida de Edson Queiroz à cidade de Registro, no Vale do Ribeira, onde uma grande quantidade de pessoas extremamente pobres ansiava pela presença do Dr. Fritz. Edson aceitou o convite e na data marcada fui com Rizzini ao Aeroporto de Congonhas para recebe-lo e transportá-lo em meu carro particular ao local marcado. No trajeto de quase três horas, expusemos a Edson sobre as denúncias que estávamos recebendo, algumas delas vindas de fontes seguras, dignas de crédito. Relembramos o compromisso por ele assumido conosco, em que esse tipo de comportamento não seria tolerado, sob pena de nos afastarmos, retirando o apoio dado. Edson a tudo ouviu silenciosamente e disse, constrangido, que não poderia negar ter fraquejado diante de algumas ofertas, mas não iria – afirmou, com convicção – deixar-se levar mais pelo canto da sereia.

 Edson continuou com suas atividades intensas, viajando pelo país de norte a sul. As denúncias acusando-o de cobrar pelas cirurgias mediúnicas prosseguiram. Não era mais possível prosseguir com o apoio. Reuni-me com Rizzini e Nazareno Tourinho e decidimos comunicar ao Edson e aos espíritas o nosso afastamento do médium. Nazareno Tourinho redigiu a nota, que foi assinada por nós três e publicada no Correio Fraterno do ABC. Ei-la.

Comunicado red“Comunicado sobre o médium Edson Queiroz. A fidelidade aos princípios filosóficos codificados por Allan Kardec, e o elementar critério de honestidade que a prática do jornalismo doutrinário nos impõe, colocam-nos na penosa obrigação de divulgar a presente nota informando aos companheiros de ideal espírita, e a quem mais interessar possa, o imperioso rompimento de nossa ligação com o médium Edson Cavalcanti de Queiroz, a quem defendemos de numerosos ataques até a algum tempo atrás injustos.

“Como sempre fomos contra o exercício da mediunidade em proveito próprio, ou, falando mais claro, em troca de dinheiro direta ou indiretamente, estaríamos bem à vontade para citar os motivos e os fatos que nos levaram a assim proceder, inclusive esclarecendo como, porque, quando e onde advertimos o médium sobre nossa discordância do seu comportamento, recebendo dele a promessa de mudança infelizmente não cumprida. Cremos, porém, ser melhor encerrar sem outras palavras este triste assunto, entregando-o à sábia e soberana Justiça Divina, com a consciência em paz pelo dever cumprido e o coração confortado pela certeza de que a causa do Espiritismo estará sempre acima das fraquezas e paixões humanas. Em 06 de agosto de 1986. Assinado: Wilson Garcia, Jorge Rizzini e Nazareno Tourinho”.

A partir desse comunicado, deixamos de intermediar a os convites a Edson Queiroz, não mais assistimos às suas apresentações e não tivemos nenhum outro contato pessoal com ele. Em outubro de 1991, estava eu na tribuna da Casa do Caminho, em Juiz de Fora, Minas Gerais, fazendo uma palestra em comemoração ao nascimento de Allan Kardec quando recebi um bilhete comunicando-me que, naquele exato momento, emissoras de rádio davam a notícia do assassinato de Edson Queiroz, em Recife, por um vigilante que havia sido empregado dele. Comunicamos o fato à plateia de quase 500 pessoas e fizemos um breve relato das admiráveis curas que presenciamos nas atividades mediúnicas de Edson Queiroz sob o comando do espírito Dr. Fritz. Um longo silêncio se fez presente, mas ao final da palestra alguns ouvintes, curiosos, desejavam saber do futuro espiritual do médium, morto em circunstâncias tão trágicas. Qualquer tentativa de descrever esse futuro seria atrevida e ousada especulação, pois não cabe a nós, pobres mortais no corpo físico, estabelecer julgamentos dessa ordem.

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