CPDoc, você o conhece?

Seus membros e fundadores comemoram 30 anos de existência, resistência e trabalhos.

Integrantes do quadro atual do CPDoc
Autores de livros analisados e publicados pelo CPDoc
Três dos fundadores do CPDoc depõem na festa dos 30 anos

As comemorações, realizadas em Santos, o berço natal do Centro de Pesquisa e Documentação Espírita, CPDoc, aconteceram no dia 1 de setembro próximo passado, nas dependências do Centro Espírita Allan Kardec, que também comemorou, na ocasião, seus 74 anos de vida.

Foi um evento digno de nota. Três décadas atrás, ou seja, em 1988, cinco jovens ousaram materializar um desejo de criar um espaço voltado aos estudos e pesquisas como meio de aprofundamento de uma doutrina que lhes era muito cara: o espiritismo. Tal ousadia representava, já e então, um certo atrevimento em vista das circunstâncias e do momento, circunstâncias que se agravariam com novos fatos que viriam.

O espiritismo no brasil sempre muito tendente ao predomínio de uma massificação baseada no sentimento místico era, como permanece sendo, uma mensagem incorporada idealmente pela classe média brasileira, de forte resistência às iniciativas em que a liberdade de pensamento e expressão se encontram no centro das atenções. Recorde-se que 1988 foi o ano da nova Carta Magna brasileira, conhecida como constituição cidadã. Ou seja, vivia o país seu ponto mais alto do ciclo de libertação da repressão marcada pelo período da ditadura militar, cujos efeitos se estenderam à sociedade como um todo e, naturalmente, também ao meio espírita.

Mas não foi só. Esses jovens pertenciam ao movimento espírita de Santos, que significava, então, não apenas uma cidade praiana, turística e principal porto do país. Era ela a expressão de um movimento rebelde capaz de se contrapor ao status quo. Dois anos antes, suas principais lideranças haviam sido derrotadas em sua proposta de assumir o comando estadual representado pela USE, determinadas a implementar mudanças consideradas demasiadamente ousadas. Ficaram conhecidas como o Grupo de Santos e incorporaram, entre outras, a acusação de intencionarem retirar Jesus da doutrina espírita, por conta de sua resistência à consagração do espiritismo como religião, que, afinal, se tornou predominante.Se não era verdade ficou sendo, mesmo que na prática significasse uma tentativa inglória, uma vez que a maior das ousadias nesse sentido seria algo como a formação de um exército de Brancaleone a lutar contra os moinhos de vento. Ou seja, a expressão “retirar Jesus do espiritismo” tornou-se um marco simbólico do politicamente incorreto, não sendo possível nem desejável que fosse interpretado do ponto de vista da racionalidade, uma vez que funcionava apenas semioticamente, a produzir significações preocupantes e agressivas à doutrina.

Assim, pois, o CPDoc nasce sob o signo mais perigoso da constelação espírita, embora a realidade mostrasse que nem mesmo os seus idealizadores pudessem conceber que o centro teria vida longa e seria marcado por realizações importantes no campo do estudo e das pesquisas.

Alguns anos depois, os membros do CPDoc veriam aumentadas contra si as desconfianças ao aderirem à filosofia da Cepa, a Confederação Espírita Pan-americana, cujos princípios pregavam uma visão laica, livre-pensadora e progressista do espiritismo, a qual discordava da interpretação religiosa atribuída à doutrina e preferiam usar a interpretação dada por Kardec de filosofia de consequências morais, empregando a palavra moral para complementar o tríplice aspecto: filosofia, ciência e moral.

Esse pano de fundo acabaria por prevalecer e não permitir que os jovens fundadores do CPDoc fossem vistos, também, como dotados de um desejo de agir e pensar de modo independente, inclusive sem as amarras das lideranças naturais do movimento espírita santista. Para todos e para sempre, eram eles filhos do Grupo de Santos e isso bastava.

A ideia de um CPDoc, porém, vai além disso. Reduzi-lo a somente destinado a reproduzir os ideais contestados era apequenar-se e apequená-los através de uma visão estrábica, incapaz de não ver senão aquilo que o falso ícone apresenta: o suposto perigo. Já o Grupo de Santos, em seus espaços de atuação, demonstrava uma visão da liberdade de pensamento e expressão que os meios oficiais espíritas pouco a pouco suprimiam. Ou seja, podia-se, sem nenhum perigo de procrastinação de qualquer espécie, estar entre seus membros em regime de discordância de seus princípios. Se tinham suas ideais e interpretações próprias da doutrina espírita, eram também dotados de um patrimônio imaterial extraordinário, qual o de receber os que pensavam contrariamente e com estes debater sem a perda dos valores humanos do respeito e da fraternidade.

O CPDoc, durante os seus trinta anos de vida até aqui, tem preservado de maneira admirável esse patrimônio que, de fato, se inspira no que o espiritismo apresenta de fundamental valor: a liberdade. Enquanto os meios espíritas tradicionais tendem a suprimir o contraditório como meio de sua própria preservação, o CPDoc preserva e se abre ao contraditório como modo de sobrevivência frente ao necessário progresso do espiritismo, que Kardec reivindica de modo categórico e indiscutível.

Como se vê, sou um admirador declarado do CPDoc. Vejo-o como um exemplo para aqueles que sonham com uma doutrina aberta, como a espírita, e como ela destinada a desenvolver livres pensadores, como claramente escreve Kardec. Sem a pretensão de se constituir em ambiente frequentado por homens perfeitos, sequer de se mostrar através de representações ou imagens dotadas apenas da ilusão, porque a ilusão é elemento natural às imagens, e menos ainda da pretensão de possuir a melhor interpretação da doutrina espírita, o CPDoc preocupa-se com o progresso doutrinário e estimula o indivíduo que o frequenta a lançar-se na busca do conhecimento, de maneira permanente.

A festa comemorativa de seus trinta anos, que acaba de ocorrer, foi mais do que um encontro dos sentimentos fraternos e afetivos dos seus membros antigos e atuais; foi a renovação dos ideais espíritas e seus compromissos com o presente e o futuro da humanidade, pela expressão máxima do bem e do belo representados nas letras musicais entoadas com harmonia.

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