Cosme Mariño e sua importância para o espiritismo na Argentina

Mariño foi presenteado com o título de “o Kardec argentino” e o livro a seguir, por ele escrito, revela sua atuação e o desenvolvimento da doutrina em terras portenhas.

El espiritismo em la Argentina (1963) – Cosme Mariño – Esta edição é, na verdade, a 2ª edição, e vem acrescida de um Apêndice antecedido por uma Nota explicativa, que estende o período histórico abordado por Mariño correspondente aos anos 1870-1923 para até 1932. O autor do texto do Apêndice não é mencionado. O prefácio feito para esta edição é assinado por Carlos Luis Chiesa, presidente da Associação Espírita Constancia. Mariño deixou o corpo físico em 1927, aos 80 anos e é considerado um dos maiores defensores do espiritismo na Argentina. Neste seu livro, relata ele os fatos que viveu diretamente, que presenciou ou de que tomou conhecimento durante os quase 50 anos em que viveu na defesa e divulgação do espiritismo, cujo marco inicial foi o ano de 1879, ou seja, dois anos após a fundação da mais antiga associação espírita ainda viva da América Latina, a Sociedade Espírita Constancia de Buenos Aires, que Mariño elegeu por seu local privilegiado de atuação. É conhecido em seu país com o “Kardec argentino”. Os que desejam se inteirar do espiritismo naquele país portenho terão, sem dúvida, neste livro um material excelente e indispensável, porque aborda muitos e muitos episódios, personagens e pensamentos que expõem o modo de ser e de interpretar a doutrina espírita na Argentina, com evidentes desdobramentos nas práticas doutrinárias e na sociedade como um todo. Sem deixar de mencionar as inúmeras semelhanças e dessemelhanças guardadas com o espiritismo brasileiro, como ainda hoje o conhecemos. Vale abordar alguns desses episódios. Vamos começar logo com um fato conflituoso, sem deixar de assinalar que não desejamos com isso estabelecer uma marca negativa para o livro, pois outros muitos fatos extraordinários o sucederão.

É que assim nos desincumbimos desse fato ligado diretamente à minha própria atividade. Quem leu o meu livro O corpo fluídico há de lembrar-se que Rizzini, no prefácio, alude a A vida de Jesus ditada por ele mesmo como uma obra que atenta contra a mediunidade e os princípios espíritas de forma geral, livro que surgiu na França em 1885, foi traduzido para  o italiano e ressurgiu na Argentina, com tradução de Ovídio Rebaudi, tendo este lhe acrescentado uma segunda parte cujo texto teria sido psicografado pelo próprio Rebaudi. Rizzini reforça sua crítica com informações sobre Rebaudi e sua forma de pensar que, no caso específico, conflita com o espiritismo. Pois bem, Cosme Mariño abre espaço considerável para relatar as atividades e o perfil de Ovídio Rebaudi na Argentina, para onde se transferiu – era paraguaio de nascimento e fez seus estudos universitários na Itália – deixando entrever aí dois pontos: o primeiro é de que em todo o relato que ocupa nada menos do que 26 páginas, Mariño não faz referência alguma ao livro apontado por Rizzini. Quem o faz é o próprio Rebaudi, mas apenas de passagem ao confirmar que traduziu a obra do italiano, sem maiores comentários ou menção a uma segunda parte por ele psicografada, no longo depoimento que fez a Mariño e que este reproduziu no livro; o segundo é que Mariño mostra Rebaudi com uma personalidade completamente contrária à que Rizzini, em poucos traços, é verdade, deixa entrever. Isso não significa que Rizzini não esteja correto quando demonstra, inclusive, com transcrições do livro de Rebaudi os conflitos entre este e Kardec na obra específica, pois Rizzini foi em busca do fato constatável para subsidiar sua análise. Diz, por exemplo, que Rebaudi afirma: “As honras da mediunidade não se adquirem sem causar transtornos ao organismo humano e esses transtornos determinam frequentemente o desequilíbrio das faculdades mentais”. Vê-se, claramente, que o espiritismo ensina exatamente o contrário do que diz Rebaudi. Contudo, sobre as atividades e personalidade de Rebaudi, a dar-se o crédito que Mariño reivindica – e não há porque colocar em dúvida seu caráter aí – há que se rever a imagem do indivíduo Ovídio Rebaudi. Mariño afirma logo de início que “devemos deter-nos sobre a personalidade deste honrado apóstolo da ideia espírita (Rebaudi), porque podemos dizer sem medo de equivocarmos que é a personalidade de maior destaque que temos em nossos quadros”. Era o ano de 1887 e Rebaudi acabava de se unir aos colaboradores da Revista Constancia.

Para Mariño, Rebaudi era um homem múltiplo: era doutor em química, estudioso do magnetismo com obras publicadas e consagradas, era médium psicógrafo, de cura e de efeitos físicos, vidente e audiente. Aqui, um detalhe interessante que talvez possa explicar a infeliz opinião de Rebaudi sobre o “perigo” de a mediunidade causar doença mental: Mariño relata, em relação à mediunidade de cura, que ele “não a pôde exercer com toda a intensidade que desejou porque cada cura que fazia custava-lhe uma enfermidade. A última que fez o colocou às portas da morte”. Talvez, essa experiência o tenha levado ao equívoco da generalização. Mariño acrescenta que Rebaudi tinha uma constituição física bastante frágil e que a influência às vezes de espíritos atrasados moralmente o faziam adoecer com certa gravidade. Segundo Mariño, Rebaudi fora materialista convicto e sua adesão ao espiritismo teria vindo por meio de experiências de que participou, a contragosto, com as famosas mesinhas de três pés, ou trípodes, como eram conhecidas na Argentina. Foram elas portadoras de mensagens que lhe enviaram, numa mesma ocasião, a mãe, o pai e os avós, todos então desencarnados e o fato curioso aí é que o único que estava sentado à mesa era ele mesmo, tendo os demais haviam se retirado por “imposição” dela, a mesa, de modo que não teve como deixar de perceber que algo para além da matéria estava ali a estabelecer um diálogo inteligente e revelador. Por fim, registre-se que Mariño relaciona um sem número de atividades intelectuais e experimentais exercidas por Rebaudi, algumas descobertas importantes no campo da química, que ele era um nome conhecidíssimo e respeitado na Europa e nos Estados Unidos, que realizou grandes obras no campo da saúde na Argentina e no Paraguai, enfim, que por tudo isso foi um homem admirável.

El espiritismo em la Argentina é um livro da história da mais antiga sociedade espírita daquele país ainda em funcionamento, a Sociedade Espírita Constancia, nascida nos anos 1870, na qual o autor ingressou pouco tempo depois de fundada e à qual permaneceu ligado até o seu desencarne. Esta sociedade ficou também muito conhecida por publicar a Revista Constancia, periódico que contou em suas colunas com trabalhos de inúmeros espíritas da fala espanhola, da Argentina e do exterior. Em 1882, Cosme Mariño assumiu a direção da revista, conduzindo-a por mais de quarenta anos. Segundo Mariño, a revista tinha um caráter de certo modo eclético e abrigava grandes polêmicas divido aos ataques constantes desferidos então contra o Espiritismo, principalmente pelo clero,mas também aos seus posicionamentos especialmente em relação à Sociologia, à Política, etc., dando espaço também para ideias teosóficas, nas quais via ligações com os propósitos espíritas. Além disso, contava, desde o segundo ano de sua fundação, com a palavra respeitável da grande dama do espiritismo espanhol, Amália Domingos y Soler a quem Mariño destinava um valor mensal como contribuição para suas obras assistenciais e de divulgação da doutrina em Barcelona. Em 1891, a revista passa a circular semanalmente.

O livro de Mariño dá conta que já em 1890 teve início o projeto de fundação da Confederação Espírita da Argentina, mas a iniciativa, que chegou a funcionar, durou pouco tempo em virtude de desavenças. Por estes tempos, crescia a fama de Pancho Sierra, sobre cuja personalidade temos o livro de Humberto Mariotti. E Mariño relata que em três de abril de 1892 fora atacado por uma senhora beata, parente do arcebispo local, que deu tiros nele logo após o encerramento de uma palestra de Rebaudi nos salões da Sociedade Constancia. A senhora deu dois tiros em Mariño, sendo que o primeiro passou raspando em sua cabeça e o segundo ficou alojado na altura dos seus rins. Esclareça-se: as maiores polêmicas enfrentadas por Mariño, pelas colunas da revista, se davam com os católicos, à semelhança do que ocorria em várias partes do mundo, no Brasil, inclusive.

Em agosto de 1895, Mariño lança uma campanha para a fundação de um partido político na Argentina, de nome Partido Democrata Liberal, para cuja concretização foi formada uma comissão durante reunião na residência do próprio Mariño, com a consequente apresentação das Bases do partido, subordinada à concepção de que seus membros pertenciam à “corrente progressista das ideias filosóficos-socialistas” e protestavam contra “à preponderância do clero que pretende deter a expansão do livre pensamento e da liberdade de consciência”. Depois de um início promissor, descobriu-se que os defensores dessas ideias foram perdendo o entusiasmo diante das barreiras políticas que se colocavam, levando à extinção do partido.

O livro de Mariño relata os fatos até o ano de 1923. Quatro anos depois, 1927, Mariño desencarna. Para esta segunda edição, os continuadores da obra desenvolvida pela Sociedade Constancia incluem um apêndice que busca relacionar alguns fatos ocorridos até 1932, entre eles a desencarnação d Cosme Mariño, ocorrida em 18 de agosto de 1927, bem como a inauguração do novo prédio da Sociedade Constancia, ocorrida em 28 de maio de 1932. Trata-se de um edifício imponente para os padrões da época. A instituição permanece ativa até os dias atuais.

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