Categoria: Mediunidade

Significados e significantes importam. Mas as significações são definitivas

Se um significante jamais oferece apenas um significado possível, porque isso seria a literalidade aprisionante dos sentidos, então, o que Chico Xavier quis dizer com a expressão “o telefone só toca de lá para cá”?

Vê-se aqui e ali a repetição da frase expressa pelo médium mineiro como uma condenação explícita e direta ao desejo de chamar a atenção de espíritos e obter deles mensagens, isto é, conselhos, informações, desejos e conhecimento de seus conflitos no contexto da vida em que se situam. Em uma palavra: condenação da evocação dos espíritos, pois, dizem, se há quem possa decidir se tem ou não condições de dialogar com os encarnados seriam eles, os desencarnados. Oh Deus, quanto engano se comete quando a literalidade aprisiona a significação!

Quando isso ocorre, ou seja, quando se afirma que Chico proíbe que se façam evocações se está atribuindo ao significante – “o telefone toca de lá para cá” – apenas um e único significado que se pode, em mau português, chamar de significado semântico. Ora, digam-me, senhores, qual é o significante que possui um único e preciso significado? Que não se oferece às significações de tantas quantas mentes dele façam uso?

Ah, sim, há médiuns que fazem promessas de ouvir os espíritos que a pessoa deseja; há pessoas que querem ouvir dos espíritos coisas que eles, espíritos, não sabem; há lugares que estranhamente ensinam como os médiuns entram em contato com espíritos familiares; há outras pessoas que querem resolver o vazio da separação de filhos, maridos e esposas mortas conversando com eles sobre, talvez, as miudezas da vida familiar. Sim, há tudo isso e muito mais perfeitamente criticável. Ora, nenhuma definição literal resolverá o problema que pertence ao campo da educação, então, vamos fazer o esforço de educar para que a significação possa substituir a literalidade dos sentidos e, assim, resolver os problemas da individualidade diante da vida. (mais…)

O que tem a ver entre si estes três personagens da história brasileira?

ARNALDO VIEIRA DE CARVALHO, HORÁCIO DE CARVALHO E CAIRBAR SCHUTEL

 Nada os ligaria, em princípio, não fosse um detalhe: Arnaldo Vieira de Carvalho teria dado duas mensagens dias após sua desencarnação e foram ambas recebidas no círculo mediúnico de Cairbar Schutel, em Matão. E Horácio de Carvalho era amigo de Arnaldo, conhecia Cairbar e estudava o hipnotismo e o espiritismo. Isso tudo os uniu numa apreciação crítica das mensagens atribuídas a Arnaldo que o Horácio fez e encaminhou, em formato de livro, a Cairbar Schutel. Quase 100 anos depois podemos retomar o fato como uma parte importante da história do espiritismo no Brasil.

À esquerda em preto e branco a capa e à direita a cores a página de rosto. Um livro singular datado de 1920 e todo feito a mão.

 ESPIRITISMO. Análise de duas mensagens atribuídas a Arnaldo Vieira de Carvalho – livro de exemplar único, em escrita manual, datado de 1920, de autoria de Horácio de Carvalho, dedicado a Cairbar Schutel com a seguinte mensagem: “Ao prezado amigo e ilustre jornalista espírita, homenagem de Horácio de Carvalho”. Contém a análise, feita por Horácio, de duas mensagens recebidas mediunicamente no grupo de Cairbar Schutel em Matão, assinadas por Arnaldo Vieira de Carvalho, a primeira delas dois dias após a desencarnação do conhecido médico em São Paulo, e a segunda sete dias após. (mais…)

Você se pergunta? Também eu

Aos amigos que perguntam por onde e como ando, respondo que entre as brumas raras do mar o a brisa que assopra o continente, na exata interseção dos dois planos da vida.

Estou no consultório em frente ao médico, que me olha com certo espanto. Tem nas mãos o exame cintilográfico que indica uma zona altamente comprometida no meu coração. As imagens são claras e até mesmo um leigo como eu as compreende. O meu cardiologista com sua ampla experiência de tantos anos de medicina tenta me convencer que é apenas um exame, simples assim, mas lá no fundo sei que está apavorado. As imagens são também contundentes e ele, visivelmente, não quer me preocupar. Não quer, mas liga imediatamente para o colega especialista em cateterismo e pede que me receba para um exame, também imediato, exploratório.

Neste instante, ele morre de medo do morrer e eu por dentro sorrio do medo que lhe mata, sem esconder uma leve ironia.

Após brigar com o plano de saúde – este é um capítulo comum da saúde brasileira – o cateter é realizado e mostra uma realidade que médico algum espera, imagine o paciente. Até agora o meu cardiologista está sem entender. A artéria mamária, utilizada na cirurgia de revascularização há vinte e cinco anos atrás, quando eu tinha apenas 42 anos de vida, foi responsável – é o que dizem eles – pela criação de um desvio que supriu a morte de uma das safenas. E dizem mais, que a safena, de vida curta, pois dura não mais que dez anos em média segundo alguns especialistas, havia secado, mas tudo indica que enquanto secava – eles é que afirmam, repito – a mamária construía o desvio e supria o coração do seu elemento fundamental. Não se esqueça que há oito anos vivi o meu último infarto e recebi na ocasião o terceiro estente na outra safena que ainda resiste.

Enquanto estou sob os efeitos da anestesia, a conversa dos dois médicos é com minha esposa. Ela sorri, aliviada, enquanto eles comentam sobre o fato sem esconder a enorme surpresa e finalizam: está melhor do que faria o mais renomado cirurgião. O diretor da área cardiológica do hospital é da mesma opinião. Quando acordo, vejo-os em torno do meu leito, ansiosos para dar-me a notícia. Seis horas depois, já me encontro no taxi, rumo à minha residência, com um único incômodo: o curativo na virilha, por onde o cateter foi introduzido.

Agora, as revelações. Aprendi a conviver com as fragilidades do meu coração desde a cirurgia em 1991. Após o infarto de 2008, o terceiro, tenho passado por experiências curiosas e não as revelei antes para não levar preocupações aos meus familiares. Nos últimos dois ou três anos, acordo durante a noite com a sensação de que o coração vai parar. Imagino, sempre, que minha hora está chegando. Logo após, os sintomas estranhos desaparecem e eu me sinto tão bem que atribuo à minha mente as sensações de há pouco. O acontecimento se repete inúmeras noites, mas cessa de uns tempos para cá, de modo que a cintilografia de rotina que levou pânico ao meu médico foi feita simplesmente para cumprir a obrigação. Quando o médico a analisa, pergunta-me se estou sentindo alguma coisa. Ante minha negativa, repete a pergunta. Insisto: estou bem, não sinto nada. Ele conclui: o paciente está assintomático. Ato seguinte, agiliza as providências e os cuidados que as imagens exigem, relegando a segundo plano o meu nada sentir.

Agora, um detalhe: por mais de uma vez e por mais de um médium desconhecido, sou informado espontaneamente de que estou sendo assistido por espíritos que – dizem – me querem muito bem. Fico feliz, mas não ligo muito para isso, especialmente quando as informações chegam por médiuns videntes. Não confio cegamente nem desconfio ceticamente. Sigo em frente.

Para mim, desculpem a ousadia, nenhuma surpresa diante da estupefação dos médicos. Mesmo porque não acho que exista alguém que possa afirmar que uma artéria mamária é capaz de agir intencional e inteligentemente, e criar caminhos por si mesma. Creio, sim, que inteligências possam conduzi-la por caminhos diferentes. Tudo natural, consequência das intervenções médicas no plano material ou da realidade da vida interexistencial que todos levamos, mas muitos duvidam, até amigos espíritas. Kardec quer que os médicos acreditem na intervenção dos espíritos no mundo material, mas ainda é pouco ouvido. A vida não se faz apenas de matéria, eis a realidade. Há dois planos interagindo, num intercâmbio permanente e não é preciso lembrar que se dois interagem, os dois agem e reagem.

Digo ao meu cardiologista recifense que a vida não pertence à Terra apenas, sem forçar convicções. Ele concorda, mas é católico e não compreende a rede invisível das interações. Diz que Deus é o agente de tudo. E tem razão, não é mesmo?

A cintilografia o apavora e ele tem o cuidado de não me apavorar também. Não sabe que estou pronto. São humanos, ele e o colega, querem me dizer que a vida continua até que a descontinuidade seja irreversível, mas então eu não terei consciência disso, no entender deles.

Agora, sou eu que os consolo. Só que não consigo falar dos seres invisíveis que vivem ao nosso lado diuturnamente, porque isso pode aumentar a preocupação deles, afinal, quem não concebe senão o aspecto racional e objetivo da vida pode se perder em conjecturas angustiantes. Que fazer senão esperar que o tempo lhes dê tempo para bem o tempo fruir, porque na falta de tempo poucos percebem o tempo a fugir (essa paródia dos versos do poeta me dá um upgrade).

Nas minhas reuniões familiares de tantas décadas, os espíritos são uma presença indiscutível. Vejo-os e com eles dialogo. Tem gente – e não são poucas pessoas – que tem medo dos espíritos se manifestarem em suas residências, pensando que podem trazer perturbações e prejuízos à casa e aos familiares. Apesar disso, os espíritos estão lá, invisíveis e ao mesmo tempo perceptíveis. Muitos fingem que não os sentem, temem ver, mas o que farão quando estiverem no lugar deles e sentirem a imensa necessidade de ser correspondidos pelos que aqui ficaram? Penso que o medo dos espíritos seja uma entre as muitas infantilidades do mundo contemporâneo. Infantilidade e ingenuidade aqui se confundem.

Assim nunca foi e nunca tem sido com os amigos que desenvolvem as suas experiências com os espíritos, experiências que, se bem conduzidas, produzem bons resultados e integram as linhas da educação para a vida e a morte. Os espíritos estão em todos os lugares, quer queiramos, quer não. Devemos aprender a conviver com eles, ao invés de temê-los. Eu não lhes peço ajuda, benefícios pessoais, não me movo por interesses particulares quando me relaciono com eles e se por acaso fizeram alguma coisa por meu coração de artérias velhas e fracas, foi por iniciativa própria. Fico-lhes nesta e em todas as outras ocasiões semelhantes imensamente agradecido, mas procuro conduzir tudo na base da naturalidade, isto mesmo, naturalidade das relações afetivas nos planos interativos da vida.

Ocorre que a preocupação com a saúde acontece na interseção dos dois planos da existência, pois os espíritos que na Terra praticaram a medicina com abnegação não abandonam jamais seus compromissos, mesmo depois de partirem para o outro lado. Prosseguem com suas experiências de vida, buscando e descobrindo formas de humanizar a saúde. Os encarnados são, de algum modo, as suas cobaias, no sentido mais humano do termo, mas também os meios das práticas solidárias.

Eu continuo aqui, pronto para o morrer, embora sem saber quando a morte virá. Eles do lado invisível continuam a trabalhar e, creio, despreocupados com o viver e o morrer, atentos apenas às conexões que ligam vivos e mortos. Quem pode compreender isso?

O lado cinzento da mediunidade no espiritismo contemporâneo

Rizzini, Arnaldo e Herculano foram envolvidos na trama dos interesses do círculo dos adoradores de Chico Xavier.
Rizzini, Arnaldo e Herculano foram envolvidos na trama dos interesses do círculo dos adoradores de Chico Xavier.

Mensagens atribuídas a Rizzini, Herculano Pires e Arnaldo Rocha ridicularizam os médiuns, a mediunidade e a própria doutrina.

A morte física do médium Chico Xavier não levou para o outro plano da vida apenas o espírito; levou, também, o bom-senso e abriu espaço para que candidatos a homens de bem se cristalizassem numa nova loucura da atualidade: a de batalhar a todo custo para que o querido médium se transforme no deus do espiritismo, guia absoluto e indiscutível da doutrina, atribuindo-lhe a supremacia do pensamento de um movimento que dia a dia rola ladeira abaixo sob o manto do religiosismo exacerbado.

Macena, um jornalista de pouco equilíbrio e bastante astúcia, tanto que se tornou presidente de uma associação médico-espírita, escancarou a porteira da crença sem base científica de que Chico era Kardec. Alguns seguiram pela obscura estrada que se abriu, mas foram perdendo o fôlego e pararam. Aí surgiu a figura controvertida de Marlene Nobre e do posto de comando da Folha Espírita, jornal que ela dirigia, fez publicar página inteira defendendo a estapafúrdia ideia, numa entrevista que ela deu-se a si mesma, para difundir a mensagem de um médium de pouca expressão enquanto médium, na qual um suposto Hilário Silva “confirmava” ter Chico sido no passado próximo Allan Kardec, além de pôr em destaque um livreto ingênuo e lacrimoso escrito por um chiquista de carteirinha, em que dizia, entre outras bobagens, que Chico era Kardec e ninguém, ninguém mesmo, poderia tirar essa crença do seu cérebro de sinapses místicas.

Daí para frente, a massa desandou. Não foi suficiente algumas personalidades expressivas do movimento virem a público para confrontar as ideias da então presidente da AME-Brasil com fatos e argumentos que desmontavam a farsa. Marlene, médica, viúva de um conceituado político, não quis saber de responder à crítica que apontava para a falta de seriedade dos argumentos e sua distância abissal das provas científicas. Preferiu retorquir com um texto choroso e repetitivo. Manteve pérolas do nonsense como a do argumento de que o casamento de Kardec com Amelie era apenas formal, sem intimidades, algo parecido com o pensamento dos roustainguistas, que afirmam que Jesus não teve corpo carnal, só aparente.

Chico já não está mais presente para se manifestar. Mas isso há muito deixou de ser importante, uma vez que os defensores da reencarnação de Kardec na pele de Chico tomaram imediata providência para abrir uma outra porteira, a da mediunidade descontrolada, sem mesmo perceber o estridente ruído da madeira apodrecida, e fazer desfilar por ali, um após outro, espíritos escolhidos a dedo, dentre eles o próprio médium mineiro, sem sequer dar ouvidos ao suposto código que Chico teria entregue a três de seus fiéis colaboradores. Registre-se, nenhum desses três até hoje deu aval às mensagens que Chico teria enviado.

Médiuns, cuja presença ao seu lado o Chico proibira por razões que se desconhece, passaram a dar mensagens com a “autoria” a ele atribuída, como o faz ainda Carlos Bacceli, que já havia sido exposto ao público mais sério por difundir outros textos de autoria duvidosa de espíritas conceituados. Para publicar em primeira mão, Bacceli quase não esperou o corpo do médium mineiro sequer esfriar.

Atualmente, nossas caixas postais vêm sendo inundadas por correspondências portadoras de mensagens ditas mediúnicas que revelam a “conversão” pós túmulo de pessoas que antes combateram a insana vontade de alguns de querer “provar” que Chico fora Kardec. Entre aqueles que formam o que denomino círculo dos adoradores de Chico está o português atualmente radicado no Brasil, de nome Nuno Emanuel, cuja única função entre nós parece ser basicamente a de fomentar diuturnamente a crença. É ele, neste affaire, secundado pelo brasileiro que também se diz médium, Geraldo Lemos Neto, e utiliza-se das redes sociais para sua propaganda, além do site de uma editora ligada a este Geraldo, site que se tornou quase que inteiramente voltado à difusão e defesa da controversa ideia. Neste endereço: http://www.vinhadeluz.com.br/site/noticias.php

Numa ação semelhante à praticada pela Igreja Católica no passado, que mandava seus bispos dar a extrema unção a personalidades adversárias no seu leito de morte, para depois proclamar a sua conversão, os componentes do círculo dos adoradores de Chico andam à cata de mensagens nas quais revelam que seus supostos autores espirituais, todos eles, em vida, contrários à ideia de Chico-Kardec prontamente se arrependeram ao aportar no outro plano e agora a defendem.

Nenhum deles percebe o ridículo dessas mensagens, protegidos que estão pela capa do nonsense, e as tomam como verdade para balançar a bandeira da universalidade do ensino dos espíritos, o que prova a venda presente nos seus olhos a impedir o uso da razão.

Por médiuns pouco ou nada conhecidos, sem lastro na produção mediúnica, apresentam mensagens absurdas com a autoria, entre outros, de Jorge Rizzini, Herculano Pires e Arnaldo Rocha, a dizer que mudaram de ideia rapidamente no outro plano da vida. Rizzini aparece na forma poética, em redondilha maior (versos em sete sílabas), ele que não era poeta e não escrevia poesia, mas fora mestre na escritura de contos, é apresentado – pasmem! – por um poema ingênuo de rimas absolutamente pobres, coisa que, vivo e médium, não permitiria a nenhum espírito comunicante, fosse qual fosse.

Herculano Pires, este, sim, poeta de mão cheia, aparece também “confessando” seu suposto erro em vida, mas a poesia em que revela a mudança está anos luz de distância da qualidade dos poemas que em vida escreveu. Pois bem, o médium aqui é irmão carnal daquele que “psicografou” Rizzini e ambos integram o círculo dos chiquistas. Até mesmo o pai desses médiuns foi por um deles psicografado, a defender a mesma tese, o que mostra à saciedade o quão contaminado está o ambiente mediúnico desses intermediários do além (ou do aquém?).

São corajosos esses médiuns e absurdamente ridículos os que os divulgam e aplaudem, pois não levam em consideração a mais simples observação doutrinária de que as mensagens mediúnicas, quando não primam pelo estilo, devem primar pelo conteúdo.

Pois bem, não satisfeitos com essas pérolas de além-túmulo, apresentam outras, como as atribuídas a Arnaldo Rocha, ele mesmo, o amigo verdadeiro e não imposto de Chico Xavier e viúvo de Meimei, que se opôs com veemência à campanha de endeusamento de Chico e desenrolou extensa relação de possíveis reencarnações dele, nenhuma como Kardec, é agora jogado na fogueira das paixões humanas como alguém também arrependido de não ter “visto” Kardec no corpo do mineiro de Pedro Leopoldo. Espantosamente, menos de cinco meses após sua desencarnação! Míope antes, Arnaldo agora toma emprestado os olhos dos chiquistas do lado de cá para fugir deste fogo que consome e produz cinzas.

Como diria Rizzini, não seremos ingênuos e nem pretenciosos a ponto de achar que vamos deter essa onda insana de mitificação idólatra do Chico, mas é preciso denunciar essa doentia campanha que conduz a doutrina ao mais extremo dos polos da ridicularização. Se não for por nós mesmos, que seja por respeito ao autor da obra espírita que eleva a noção de espiritualidade ao Monte Ararat do bom-senso.