Para aquele que estabeleceu uma relação afetiva com seu livro preferido na base de um livro de ouro, qualquer mínima possibilidade de vir a se distanciar dele pode significar um abalo semelhante à perda de seu ente mais querido ou de seu amigo mais admirável.
A história do Livro dos espíritos, para mim, não é a daquele que foi lançado em primeira edição em 1857, na França. Não! Essa história é a de Allan Kardec, o seu feliz coautor, que logo depois publicaria a edição definitiva, consideravelmente aumentada. O meu exemplar de O Livro dos espíritos percorreu duas trajetórias: a primeira, até chegar a mim, a segunda depois de estar comigo. Esta última trajetória continua sem termo final, pois passou da fase do livro impresso para a do conteúdo registrado na mente imortal. Ou seja, de qualquer modo, seguirá ele comigo mesmo depois que o corpo virar cinzas a fertilizar um jardim qualquer.
Para satisfazer os amigos em sua curiosidade, conto aqui essa história de mais de meio século.
Havia três meses que eu chegara na cidade de São Paulo, vindo de Minas Gerais, com o desejo de ficar para sempre. Na infância, ouvi falar do espiritismo e tive medo. Na mocidade, ouvi de novo e fiquei encantado. Foi na maior cidade da América Latina que encontrei o primeiro Livro dos espíritos e isso se deu de maneira repentina. Até então, tudo ou quase nada do que sabia sobre o espiritismo era de orelha.
Para amainar as noites solitárias na pensão da Avenida Tiradentes, eu comprava, às sextas-feiras ao final da tarde alguns livros da livraria de saldos do Largo São Francisco, em frente à Faculdade de Direito. Eram baratos e eu poderia preencher as noites de todos os dias da semana seguinte. Lá pela terceira ou quarta vez que ali compareci, vi um livro encadernado, de lombada para cima, de título O Livro dos espíritos. Ao seu lado, também encadernado, O Evangelho segundo o espiritismo e O livro dos médiuns. De pronto (mais…)