Categoria: Eventos

Divaldo Franco: um médium em três tempos

A propósito do anúncio feito pela Mansão do Caminho, para o evento intitulado “Encontro Fraterno com Divaldo Franco”, a realizar-se no próximo mês de setembro, na Bahia.

Os médiuns sempre chamam a atenção por uma ou outra razão. Aqueles que se projetam no cenário social colocam-se sob holofotes permanentes e não conseguem fugir das vistas dos observadores, seja por seu comportamento enquanto médium, seja pela vida que levam. São indivíduos públicos, tanto quanto outros que exercem atividades no âmbito da comunicação, da política e assim por diante. Suas vidas particulares, em certo momento, se confundem com suas atividades e é dessa forma que se tornam visíveis para a parcela da sociedade a que alcançam. Só com muito esforço conseguem manter uma certa privacidade, de modo a proteger a vida íntima, sua e dos seus. Se o homem comum tem imensas dificuldades na sociedade contemporânea para distinguir o público do privado, muito mais difícil será essa distinção para aqueles que se tornam personalidades públicas, tal como ocorre com os médiuns de grande destaque.

Em 1973, Divaldo Franco fez uma palestra na Federação Espírita de São Paulo especialmente para dirigentes e trabalhadores de centros espíritas, por convite do seu Departamento Federativo. O objetivo era fugir do estilo conhecido de oratória do tribuno e colocá-lo mais próximo da realidade das casas espíritas, conversando sobre seus objetivos, necessidades e situações factuais, ao falar diretamente com os dirigentes.

Divaldo surpreendeu positivamente. Quem o conhecia somente pela forma tradicional de oratória teve oportunidade de conhecer uma outra face do tribuno, livre, informal, dialógica, de tom coloquial. Divaldo exemplificou situações, contou casos, riu e fez rir. A começar pela jocosa comparação de família que fez, aproveitando a presença de Eurípedes de Castro ao seu lado. Disse que este estava tentando competir com ele, (mais…)

A Gênese: provas confirmam que Kardec não fez as mudanças contidas na 5ª edição francesa

Por mais que os defensores da 5ª edição francesa de A gênese, os milagres e as predições, procurem inverter o ônus da prova e aleguem que não existem evidências de que as modificações em relação às edições anteriores, 1ª a 4ª, não foram feitas por Kardec, os fatos comprovam exatamente o contrário.

Isso fica medianamente claro após os estudos e pesquisas realizados por Simoni Privato Goidanich, reunidos em seu livro – O legado de Allan Kardec – escrito originalmente em espanhol, agora traduzido para o português e publicado pela USE de São Paulo. O seminário promovido também pela USE, neste domingo, 4 de março, na capital paulista, intitulado A Gênese, o resgate histórico, serviu para confirmar tudo aquilo que a autora havia coligido, estudado e reunido em seu livro, mas acabou por revelar inúmeros outros envolvimentos no assunto, de igual importância.

A questão é seríssima e antiga. Apareceu de forma clara 12 anos após o lançamento da 5ª edição de A gênese, lançamento este ocorrido em 1872, três anos após a morte de Allan Kardec. E apareceu pela ação firme de Henri Sausse, com o apoio de Gabriel Delanne e Leon Denis, três nomes da mais alta consideração do espiritismo francês e mundial.  A edição de 1872, a 5ª, foi considerada a definitiva e passou a servir de base para as diversas traduções que se fizeram mundo afora, inclusive no Brasil, daí a sua importância.

Henri Sausse assustou-se quando percebeu os fatos. Publicou um vigoroso artigo no jornal O Espiritismo, da União Espírita Francesa, denunciando a adulteração e elencando as mudanças de textos, as supressões e as indevidas inclusões. Os autores desta infeliz façanha, Jean Leymarie à frente, jamais puderam comprovar que foi Allan Kardec quem promoveu as alterações, apesar das ameaças feitas a Sausse, inclusive de o levar às barras do tribunal. (mais…)

O resgate histórico de A gênese – síntese do seminário de São Paulo

por Antonio Cesar Perri de Carvalho (*)

O Seminário “150 anos de A Gênese – O Resgate Histórico”, desenvolvido no dia 4 de março, pela União das Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo (USE-SP), em parceria com o Centro de Cultura, Documentação e Pesquisa do Espiritismo – Eduardo Carvalho Monteiro, Liga de Pesquisadores do Espiritismo (LIHPE) e Site Autores Clássicos Espíritas, teve como expositora Simoni Privato Goidanich. Esta se reportou às pesquisas contidas no seu livro “El legado de Allan Kardec”, editado em outubro de 2017 na Argentina, e, lançado neste Seminário, em português, editado pela USE-SP e pelo CCDPE.1 Houve transmissão ao vivo pela Rede Amigo Espírita e por web rádios. A prece de abertura foi proferida por Sandra Moraes (Amazonas) e a de encerramento por Heloísa Pires.

Louvamos a iniciativa da Confederação Espírita Argentina que no ano de 2017 editou A Gênese, de Allan Kardec, traduzida para o espanhol da 1a edição francesa de 1868; apoiou e editou o livro “El legado de Allan Kardec”; e teve a iniciativa de levar o alerta e informações das providências para reunião do Conselho Espírita Internacional, ocorrida em Bogotá em outubro de 2017. Destacamos que Gustavo N. Martínez, presidente da Confederação Espírita Argentina, não podendo comparecer ao evento de São Paulo, encaminhou atenciosa carta para a presidência da USE-SP.

O evento foi aberto pela presidente da USE-SP Júlia Nezu Oliveira, seguindo-se a exposição feita pela convidada, o lançamento de O legado de Allan Kardec, em português, e, um painel, com atuação dos representantes das quatro entidades promotoras e perguntas emanadas do plenário, contando com nossa coordenação.

Na apresentação de Simoni e no painel vieram à tona fatos sobre as alterações ocorridas na 5ª edição francesa (1872) de A Gênese. Na pesquisa documental da autora fica claro que as alterações do texto publicado por Kardec em La genèse foram feitas na quinta edição, registrada apenas em dezembro de 1872, ou seja, mais de três anos depois da desencarnação do Codificador. As quatro edições registradas por Kardec, datadas de 1868, têm o mesmo conteúdo e são a versão definitiva da obra.1

No livro objeto desse Seminário ficam evidentes as alterações de propósitos da Sociedade Anônima para a Continuação das Obras Espíritas de Allan Kardec, e, também na linha editorial da Revista Espírita. O livro O legado de Allan Kardec reúne informações e documentações sobre as primeiras décadas em seguida à desencarnação de Allan Kardec, sendo um rico repositório da história do movimento espírita francês. Avulta o valor de Amélie Boudet, Léon Denis, Gabriel Delanne e Berthe Fropo.

Além da iniciativa pioneira da Argentina, em fevereiro de 2018 foi lançada a versão original de A Gênese, em francês, pelo Movimento Espírita Francofônico. Há providências editoriais correlatas no Uruguai e Colômbia. Em nosso país, com exceção de edição do Centro Espírita Léon Denis, do Rio de Janeiro, todas as edições de A Gênese são traduções da 5ª edição francesa (1872), exatamente a que altera as edições iniciais feitas Kardec. Em nossos dias há informações de que várias editoras brasileiras estariam providenciando traduções das edições francesas (1ª. a 4ª.) de A Gênese.  

Fato inusitado no transcorrer do Seminário, foi a informação feita por Fernando Porto, responsável por um Departamento da USE-SP, de que a tradução para o esperanto de A Gênese, lançada pela Editora da FEB no ano de 2003, adotando a 5ª. edição francesa, e, além disso, elimina também a última e significativa frase do item 66 do capítulo XV: “ Jesus, pois, teve, como todo homem, um corpo carnal e um corpo fluídico, o que é atestado pelos fenômenos materiais e pelos fenômenos psíquicos que lhe assinalaram a existência.”2,3

Também marcante foi a comunicação do vice-presidente da Federação Espírita do Amapá e membro do Ministério Público Manoel Felipe Menezes da Silva Júnior sobre o texto jurídico de autoria dele e do dr. Auriney Uchoa de Brito, doutor em Direito, professor de Direito e vice-presidente da OAB-Amapá, a propósito de estudos relacionados com direito autoral, direito moral e estudo comparativo com legislação francesa da época de Kardec.

Esse Seminário da USE-SP representou um momento criativo e histórico para se comemorar o sesquicentenário de A Gênese, sendo um passo importante para se assegurar a fidedignidade das obras do Codificador.

A propósito de alterações e/ou deturpações, não cabem incriminações, mas o compromisso de se restabelecer fatos e textos autênticos. O importante é que surjam edições em português a partir de traduções das edições de A Gênese registradas por Allan Kardec.

Torna-se oportuna a lembrança da obra Na hora do testemunho (Ed. Paideia), uma parceria de Herculano Pires com Chico Xavier, em que se denuncia um triste incidente ocorrido no meio espírita brasileiro: a adulteração de O Evangelho segundo o Espiritismo, levada a efeito por uma editora, em julho de 1974. Destaca Herculano Pires: “O médium Francisco Cândido Xavier, apesar de sua costumeira isenção em polêmicas doutrinárias, acabou manifestando-se contra a adulteração e tomou posição firme e clara na defesa dos textos de Kardec. A maioria dos chamados líderes espíritas não se manifestou. A hora do testemunho provara mal, revelando a falta de convicção da maioria absoluta, e portanto esmagadora, do chamado movimento espírita brasileiro. Mas os resultados foram se manifestando mais tarde, com um crescente interesse do meio espírita pelas obras de Kardec em edições insuspeitas.”4

Após a síntese do Seminário, passamos a realçar o significado de A Gênese para o momento atual, apontando como imprescindível o estudo dessa Obra Básica, não apenas de textos comparativos de edições, mas do significativo conteúdo geral do livro.

Com A Gênese completa-se o quinto volume das chamadas Obras Básicas da Codificação. Kardec discorre sobre questões destacadas no subtítulo: os milagres e as predições segundo o Espiritismo; e analisa a Gênese de acordo com as leis da Natureza e a interpretação espírita.

Realçamos a importância do capítulo “Fundamentos da Revelação Espírita”, onde Kardec faz abordagens fundamentais e de onde destacamos a significativa colocação: “[…] o que caracteriza a revelação espírita é que a sua origem é divina, que a iniciativa pertence aos espíritos e que a elaboração é o fruto do trabalho do homem” (Cap. I, item 13).3 Essa afirmação mostra a responsabilidade dos encarnados, notadamente nas condições de liderança, gestão nas instituições e as ações do movimento espírita. O Mundo Espiritual orienta, mas as decisões dependem de nossas escolhas.

No livro recém lançado de Simoni Privato Goidanich há o alerta: “A responsabilidade ante o legado de Allan Kardec é de todos os espíritas, e cada um herdará as consequências de seus atos e de suas omissões”.1

É o que ocorre nesse momento quando se manifestam espíritas preocupados com a fidelidade à obra de Kardec e com o movimento espírita.

O Codificador discorre sobre a relação entre Espiritismo e Ciência e realçamos o seu cuidado no tratamento de temas relacionados com as diversas áreas do conhecimento, sem detalhá-los em demasia, fazendo com que sua obra seja atual e não ultrapassada.

O antigo professor Rivail, intelectual e inspirado, analisou o desenvolvimento do planeta e da civilização procedendo a uma analogia dos chamados dias bíblicos com os períodos geológicos e de maneira totalmente diferenciada das religiões tradicionais. E comenta a posição da Terra no amplo contexto do Cosmo.

Na Introdução, Kardec comenta é “um complemento das aplicações do Espiritismo, de um ponto de vista especial”. Assim, se em O evangelho segundo o espiritismo o Codificador destacou o ensino moral, em A Gênese ele comenta que “os fatos relatados no Evangelho e que foram até agora considerados miraculosos, pertencem, na sua maioria, à ordem dos fenômenos psíquicos, isto é, os que têm como causa primeira as faculdades e os atributos da alma” (Cap. XV, item 1).3

O perispírito é abordado em vários capítulos do livro, clareando explicações sobre os fenômenos mediúnicos, os chamados “milagres” e as aparições de Jesus, descortinando-se o mundo espiritual.

Afirma que “Jesus teve, como todo homem, um corpo carnal” (Cap. XV, item 66)3 e trata da polêmica sobre o desaparecimento do corpo no item 67, eliminado na 5ª. edição francesa.1,3

No capítulo XV aponta: “O maior milagre que Jesus operou, o que verdadeiramente atesta a sua superioridade, foi a revolução que seus ensinos produziram no mundo, malgrado a exiguidade dos seus meios de ação” (item 63).3                    

A transição planetária é apreciada nos capítulos “As predições segundo o Espiritismo” e “Os tempos são chegados”, e alerta que ainda “falta um imenso progresso a realizar: o de fazerem reinar entre eles a caridade, a fraternidade e a solidariedade, para assegurar o bem-estar moral.” A partir da expectativa dos tempos chegados e de uma era nova, nada mais pertinente do que se estudar o livro A Gênese.

A USE-SP lançou em 1975 a Campanha Comece pelo Começo e agora lança o brado do resgate histórico de A Gênese. No sesquicentenário de A Gênese é o momento de valorizarmos a citada Campanha que enfatiza a necessidade do estudo das obras do Codificador Allan Kardec.

Referências:

1)     Goidanich, Simoni Privato. O legado de Allan Kardec. 1.ed. São Paulo: USE/CCDPE. 2018. 447p.

2)     http://www.febnet.org.br/ba/file/livro%20em%20esperanto/lagenezo.pdf; acesso em 04/03/2018.

3)     Kardec, Allan. Trad. Sêco, Albertina Escudeiro. A gênese. 3.ed. Rio de Janeiro: Ed. CELD. 2010. 488p.

4)     Xavier, Francisco Cândido; Pires, José Herculano. Na hora do testemunho. 1. ed. São Paulo: Paidéia. 1974. 120p.

(*) – Coordenador do Painel no Seminário Resgate Histórico de A Gênese. Ex-presidente da USE-SP e da FEB.

Inovação, ocupação parcial de espaço ou simplesmente um novo rótulo?

A propósito de um artigo do meu amigo Cesar Perri, intitulado “Congresso dos 70 anos da USE – Inovação das “rodas de conversa”, que foi posto ontem, 21 de junho de 2017, em circulação na rede digital, volto ao assunto que já externei aqui, em março de 2016, quando a notícia do evento circulou pela primeira vez e sobre a qual recebi opiniões e e-mails prós e contra. Perri refere-se ao espaço denominado Roda de Conversa, para o qual a coordenação do congresso destinou quatro horas divididas em dois períodos de duas horas cada, sendo três temas a serem debatidos simultaneamente em cada período e a mesa contando com um moderador e dois debatedores, conforme programação já divulgada. A questão colocada é, de um lado, se isso de fato é inovação e, de outro, se atende às reclamações justas por espaço de livre manifestação do pensamento, a exemplo do que ocorre nos congressos onde o conhecimento é colocado como meta principal?

O título dado a este “novo” espaço é bonito – Rodas de Conversa – mas é preciso convir que tal título é apenas outro rótulo (mais…)

Um convite para o futuro

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Congressos espíritas: espaço público de conhecimento ou conhecimento público do espaço?

Há muito se sabe que os congressos espíritas, salvo raras exceções, se tornaram eventos muito mais para dar satisfação ao público da existência da doutrina do que para se tornar um espaço público de produção de conhecimento.

Nesse ponto, a história tem sido cruel com os espíritas. Se alguém deseja estudar, pesquisar e produzir ou o fará por sua própria conta e risco ou deverá desistir. As instituições espíritas, que se autoproclamaram coordenadoras do espaço público, sonegam em seus eventos qualquer possibilidade de apresentação de novos trabalhos, incorrendo em duro desestímulo para com os interessados.

A FEB, que se transformou na mais forte defensora da coordenação desse espaço público, tradicionalmente negou os congressos espíritas. (mais…)

CARTA DE SANTOS – Uma leitura

 

Faltou projeto?

O 16º Congresso Estadual da USE – União das Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo terminou com a publicação de um documento chamado “Carta de Santos” (ao final reproduzida), marcando, assim, a cidade onde o evento ocorreu no período de 18 a 21 de abril último.

A conhecida cidade praiana foi berço de uma grande dissidência no movimento espírita paulista, nos anos 1970, capitaneada por Jaci Régis e companheiros, dissidência que estendeu-se com o tempo e alcançou status internacional, ou seja, deixou de ser local para atingir o país e posteriormente a América do Sul. Surgiu daí a expressão “grupo de Santos”, como designativo dessa dissidência. Uma das consequências disso foi o crescimento no Brasil da influência da Cepa – Confederação Espírita Pan-americana, à qual muitos membros do grupo de Santos se filiaram, bem como de sua visão laica do Espiritismo, segundo a qual o Espiritismo não pode ser visto como religião, ressaltando, em seu lugar, as “consequências morais” previstas por Allan Kardec.

A questão é conflituosa. A realização de um congresso estadual, mais de 30 anos depois dessa dissidência, ali, no epicentro dos acontecimentos, teria ainda reflexos daqueles fatos? Se feita uma análise anterior, despontaria como inevitáveis os reflexos de ambos os lados, pois, as divergências de opinião sobre o terceiro aspecto do Espiritismo – religião ou moral – não só se fez crescer desde então, como ampliou exponencialmente o quadro de espíritas interessados em endossar a posição cepeana de um Espiritismo laico e livre pensador.

Há que se notar que o grupo de Santos não se resumiu a apenas espíritas de Santos ou ali localizados; integravam-no pessoas de outras latitudes e quando a Cepa expandiu-se no Brasil alcançou variados estados do País. Considere-se, ainda, que o grupo de Santos, embora não conte mais com a presença de seu principal líder entre os encarnados, tinha na juventude de boa parte de seus integrantes um quadro promissor, de maneira que, atualmente, muitos deles se destacam na sociedade em postos de expressão, sem ter abandonado suas ideias laicas.

Mas não é só. O cenário dos anos 1970 alterou-se profundamente. Na ocasião, a Feb – Federação Espírita Brasileira não vivia dias muito fáceis no País, pois enfrentava uma série de oposições aos conceitos que defendia, entre os quais, de enormes desassossegos para ela, estava, como ainda está, a questão roustainguista do corpo fluídico atribuído a Jesus. A Use, então, constituía uma das principais trincheiras contra a Feb.

Com habilidade, a Feb desmontou o quadro desfavorável a ela no País e, na atualidade, a Use de São Paulo, em particular, não é mais uma trincheira de lutas aos que se opõem à Feb, mas, ao contrário, um dos principais redutos onde os projetos febianos encontra apoio. Mesmo quando se observa o quadro por dentro e se constata oposições, são elas apenas pontuais e menores, que se dão nos bastidores e que, por isso mesmo, não alcançam, como antes ocorria, os ouvidos da população espírita.

Sendo a Cepa vista como oposição inaceitável à Feb e a Use como um reduto febiano e sendo ambas acossadas por uma expansão da Cepa que de certa forma incomoda, seria ingenuidade imaginar que um congresso da Use em Santos não resultasse em repercussões nas partes envolvidas.

A leitura da carta de Santos parece reforçar essa conclusão. O documento surge de modo curioso, uma vez que não consta ter ele sido debatido em larga escala no referido congresso. Também não são conhecidos os nomes daqueles que tiveram o privilégio de propor e discutir os seus termos. Em geral, as conclusões de um congresso – o da Use tem o caráter de estadual – são tomadas coletivamente, mas nos últimos tempos os chamados “congressos espíritas” alteraram o conceito de congresso, transformando-o num evento de grandes palestras e pouco ou quase nenhum diálogo, desnaturando, assim, essa conhecida forma parlamentar de trocas simbólicas.

Registro o seguinte: a carta de Santos não surgiu inesperadamente, pois está relacionada no programa do evento. Lá aparece como peça do derradeiro dia 21, no item “Conclusões e solenidade de encerramento”, cuja responsabilidade foi entregue ao presidente da Federação Espírita da Bahia, André Luiz Peixinho, em palestra por ele realizada, com duração de cerca de 90 minutos. Com certeza, esse tempo foi utilizado para um resumo das atividades daqueles três dias. O tempo dado para a carta de Santos foi de apenas 15 minutos, creio, suficiente para a sua leitura e tomada de conhecimento do público. Pode-se pensar que o palestrante, ao iniciar sua fala, já possuía o documento e, se isso é verdadeiro, tal documento foi lavrado anteriormente por algumas pessoas autorizadas.

Vamos à sua leitura.

O termo inicial da carta de Santos é difuso: “Os espíritas reunidos…”. Uma generalidade resultante, por certo, de um descuido ou de uma intenção deliberada, uma vez que o congresso é estadual e, além do mais, adstrito ao público useano, mesmo que não fechado a esse. Dizer “os espíritas” implica atribuir um significado amplo, que não é verdadeiro, podendo estender-se ao Estado de São Paulo e até mesmo ao País.

A continuidade do texto vai nessa direção: “Os espíritas… conclamam o movimento espírita e todos os espíritas paulistas e do Brasil”, ou seja, embora restrito enquanto evento de uma região, o ânimo está tomado de uma grandiosidade que, inclusive do ponto de vista político, é incorreto, mas, de fato, pouco perceptível pela maioria dos congressistas.

Entremeando essas duas expressões aparece esta outra afirmativa da qual se pode duvidar que expresse uma verdade cristalina: “após as reflexões propostas pelos participantes”. Além de ser também genérica, a afirmativa pretende expor que a carta da Santos surgiu de expectativas colocadas pela totalidade dos congressistas em algum momento ou durante o evento, como se já não estivesse programada. Trata-se apenas, quer-se crer, de uma força de expressão visando dar maior validade ao documento e menos dizer que ele reflete o pensamento dos congressistas, o que, se fosse verdade, seria muito bom.

Estas considerações que aqui faço têm sua razão de ser; a carta de Santos parece ter saído de ideias previamente estabelecidas por um pequeno grupo, refletindo sua visão parcial do Espiritismo, o que se pode constatar quando se completa a leitura desse trecho inicial do documento. Ei-lo:

“Os espíritas… conclamam… o movimento espírita… a “dar a sua contribuição na construção real de um mundo de regeneração. O mundo novo para onde caminha a humanidade deverá ter a efetiva contribuição dos espíritas para a formação de um homem novo”. Ou seja, há um pensamento, uma ideia prévia de que um mundo de regeneração está em construção e os espíritas têm uma importante contribuição a dar a esse mundo novo para onde caminha a humanidade.

Não está em questão discutir se é verdadeiro ou não esse mundo de regeneração, nem se um homem novo dele surgirá, porque são claramente expressões retiradas dos textos espíritas. O principal aqui é a eleição desse conteúdo como diretriz do documento, ou seja, o documento reflete um norte dado por alguém em algum momento, norte esse aceito e levado a efeito em nome de uma totalidade de congressistas que, possivelmente, não participou dessa discussão. Essa diretriz, assim definida, estaria a serviço de uma parcela dominante, refletindo mais uma postura pontual do que uma visão ampla do Espiritismo? Isso merece uma ampla reflexão.

Conquanto a última frase da parte introdutória intente direcionar o conteúdo da carta, esta não reflete de fato os itens elencados, que, segundo ali se diz, estariam subordinados à ideia do “amor, a ética e a educação”. Vejamos.

São sete itens não numerados. O primeiro e o sétimo se interligam pela mesma base ideológica, mas o primeiro, por ser o primeiro e pela forma como foi redigido, levanta suspeitas não sobre si e seu sentido, mas sobre as intenções a que ele atende ao ser aí posicionado, sugerindo a pergunta: é ele resposta ao laicismo do grupo de Santos e, por extensão, à Cepa, seus integrantes e diretores? É reafirmação de poder da Feb em termos de um Espiritismo brasileiro a viger sob sua visão racional? Recorde-se que está lá escrito: “Seguir o Mestre Jesus, como Guia e Modelo e que nos convoca para sermos perfeitos como perfeito é o Pai”. Digo poder da Feb por muitas razões e uma delas é esta: a Use não tem tradição nesse tipo de postura, ou pelo menos não a nutria porque ela, Use, resulta de um diálogo tipo congressual e possui estrutura formal que de algum modo reflete tal cultura. Mas a Use dos dias atuais, aquela que se vê na prática do quotidiano já não é também a Use consagrada pela tradição dialógica, uma vez que tornou-se reduto das ideias defendidas pela Feb, sendo desnecessário apontar exemplos por estarem evidentes.

Os cinco itens outros, que completam a carta de Santos, repetem lugares comuns e não apresentam nenhuma ideia prática, tipo saber-fazer-fazer. São questões soltas, generalizantes, constituindo uma espécie de pequena colcha de retalhos, sem projetos claros e objetivos, apesar de a Use, fundamentalmente, ter por público alvo dirigentes e trabalhadores espíritas e ser, pelo menos no plano teórico, a imagem deles. O quarto item, por exemplo, atira a esmo contra “procedimentos formais e burocráticos” sem objetivá-los de forma a dotar o documento de um projeto claro, mais parecendo uma crítica velada a alguma coisa mantida em segredo. Evidentemente, o conselho se aplica às casas espíritas, mas dito aqui, deslocado do pretendido eixo central da carta (“amor, ética e educação”) sugere intenções veladas cujo propósito fica recluso.

De modo mais amplo, não será despropositado perguntar: será a carta de Santos a carta da Feb? – uma vez que aporta aspectos que mais parecem se afinar com a forma como a antiga instituição conduz o movimento espírita nos últimos anos, a despeito das aparentes alterações pretendidas e não alcançadas.

A carta de Santos constitui um tipo de documento que normalmente é redigido na forma impessoal, por representar, em tese, o pensamento de uma coletividade reunida em determinado local e hora. Mas a impessoalidade da carta de Santos cai por terra derradeiramente no último parágrafo, deixando à mostra que por traz dela encontra-se a mão de alguém que desejou torná-la instrumento de um pensamento particular, o qual ou foi aceito inadvertidamente ou foi consagrado pelo convencimento dos pares consultados. Eis que está assim formalizado: “E deste modo e com a participação de todos como protagonistas do bem, vamos construir nosso caminho evolutivo, buscando e prosseguindo para o alvo ao fazer da Terra o paraíso que ela pode ser”.

A carta de Santos, enquanto documento da expressão do pensamento de um congresso, é frágil e se volta para dentro do movimento, como se esse movimento existisse por si, à parte da sociedade. Imensos problemas que afetam diretamente o cidadão e a sociedade e dos quais o movimento espírita depende ficaram totalmente de fora das preocupações. Mas, há que se reconhecer, ela reflete de algum modo um evento pouco afeito à dialogicidade, não àquela dialogicidade dos pares, mas a do diálogo com as diferenças, cuja troca de ideias se coloca como a principal maneira de enriquecer o pensamento e ampliar a dimensão do conhecimento espírita.

À parte essa questão, resta concluir com a observação de que em sendo a carta de Santos a reafirmação da condenação, pelos religiosos febianos, do laicismo cepeano, estamos diante de uma demonstração de imensa fragilidade pelos autores da carta. O Espiritismo pede propostas e projetos para sua disseminação e esses jamais virão com o fechamento dos canais de diálogo, com a separação das ovelhas, como tem sido frequentemente manifestado pela Feb, aliás em franca oposição ao próprio pensamento de Bezerra de Menezes, reproduzido ao final da carta, no qual o referido espírito propõe única e tão-somente a união solidária pelo diálogo como forma de fortalecimento do movimento.

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