Categoria: Artigos

Grãos escolhidos na peneira do tempo


CONVERSANDO SOBRE EDER FAVARO


Ao invisível cabe o condão de desafiar o indivíduo com certa permanência, como ocorre quando alguém muito próximo dentre os próximos parte. Mesmo que haja anunciado com antecedência a possibilidade dessa partida, o momento em que a morte ocorre surge como águas precipitadas na cachoeira da vida.

Eder Favaro ao centro, Marcus Vinicius Ferraz Pacheco à esquerda e Wilson Longubuco à direita. Essa foi a primeira diretoria da ABRADE, sucessora da ABRAJEE, com Eder vice-presidente.

Viajávamos de automóvel para Bauru com o Eder Favaro e eu sentados no banco de trás e o Saulo Wilson dirigindo. Uma viagem de algumas horas desde São Paulo, mas que transcorria plenamente agradável, em especial pela contagiante capacidade de divertir do Eder e suas histórias, tendo por fundo o movimento espírita brasileiro, quase sempre. Fatos, personagens e situações inusitadas formavam o cenário das narrativas feitas com gosto e muito riso.

Conheci o Eder Favaro em 1972 no salão Bezerra de Menezes do antigo prédio da Federação Espírita do Estado de São Paulo (FEESP) da rua Maria Paula, na capital paulista. Deveria ele apresentar algumas aulas de caráter histórico sobre a vida de Jesus e eu, aluno, o observava com muita curiosidade. Falava sentado e utilizava-se de um vigor fonético pouco visto, de uma seriedade inquestionável, mas também introduzia alguns fatos pitorescos na narrativa sempre muito clara, o que descontraía o ambiente e fazia rir a muitos. Eder foi, talvez, o primeiro orador espírita, dos que assisti até então, a me despertar para o uso de bibliografia fora dos livros espíritas. Marcou-me muito aquela tarde de sábado. Eu tinha apenas 23 anos incompletos e ele já quase 42. Eu iniciante na doutrina e ele a meio caminho da vida, pouco menos. (mais…)

Dois caminhos de Hécate. E o terceiro?

A discussão cansa alguns, demanda outros e é desconsiderada pelos que já estão consolidados em suas crenças. No entanto, prossegue para além das palavras ou por causa delas. Sentimentos, emoções, racionalidade; há muita coisa em jogo.

A discussão sobre ser ou não o espiritismo religião é ineficaz ou dispensável? Kardec não pensou assim ao ser solicitado a entrar nela logo que a então novel doutrina que ofereceu ao mundo despertou atenção. Não foi ele que tomou a iniciativa de esclarecer sua posição; foram os reclamos e as tendências que o levaram à arena dos debates, pouco importa, neste particular, o contexto positivista da época e as repercussões profundas da secularização. A verdade é que a discussão perdura até nossos até nossos dias com semelhantes consequências e muitas outras de caráter científico, filosófico etc.: não foi e não será concluída, por não ser este o seu objetivo primordial.

E qual é este objetivo? Manter acesa a chama da busca pela verdade.

Seria ingênuo, como ingênuos são os argumentos que se valem da alegação de desnecessidade da discussão ou de que ela gera apenas perda de tempo, para se oporem àqueles que se mantêm na arena do debate. Afinal, não se está numa disputa da qual sairá um vencedor e um perdedor. A verdade não pertence a ninguém e (mais…)

O pensamento hegemônico que ata, enlaça e agrada. E o consolo que submete

A concertação de uma Religião Espírita atende a conveniências humanas, assim como a refutação da existência dessa mesma Religião Espírita. Ambos os que se debatem nesse meio discursivo pró e contra se apoiam em Allan Kardec, mas há uma diferença fundamental a favor daqueles que combatem a ideia da Religião Espírita, ou seja, estes contam com afirmação peremptória, pública e verbal de Kardec, que deixou patente em todas as ocasiões a que se referiu ao assunto que não havia espaço para uma afirmação de que o espiritismo é religião. Mesmo quando, em seu famoso discurso de 1868, constante da Revista Espírita, ele toma de volta o assunto, o faz na direção de uma reafirmação da não religião, ao abrir portas para uma possível religião da fraternidade se este fosse o entendimento e desejo. Ainda aí, pois, o sentido ou significado de religião constituída e organizada estava sendo repelido, da mesma maneira que o foi quando, em documento republicado já no século XX, dando a entender que buscava criar a religião da solidariedade, Kardec põem pá de cal na questão ao reafirmar que sua opinião sobre a questão se mantinha inalterada. (mais…)

O jardim da infância dos espíritos adultos

A percepção do significado do conhecimento está na razão direta da maturidade do espírito. Daí porque o sentimento de justiça, o bem e o belo colocarem desafios permanentes ao ser humano do nosso tempo.

A maturidade é considerada o momento supremo em que o ser reúne todas as condições físicas e psíquicas para encarar a vida de um ponto de vista livre e objetivo. Talvez, Herculano Pires tenha dado a dica sobre esse estado de espírito quando faz a crítica da imaturidade: diz mais ou menos assim: vivemos que nem galinhas, preocupados com as migalhas. Ou seja, o ser comum se incomoda com tudo e com nada, tornando-se policial das miudezas, sentinela de ratos, paparazzo de cenas grotescas ou reprodutor incansável dos seus breves minutos de fama. Assim, tem muito poucas chances de perceber a essência da vida, que desfila quase invisível pelas paredes descoloridas do não significado.

Serão as migalhas de Herculano o sinal da imaturidade doutrinária?

É de se pensar, afinal, há mais gente espírita preocupada com o elixir da felicidade do que com os conflitos naturais do conhecimento, únicos capazes de desconstruir a ilusão das migalhas e ferir de morte o tempo dedicado a elas. Temos mais problemas fundamentais a absorver do que necessidade de coisas miúdas, mas estas parecem nos alcançar com mais força e nos dominar as preocupações. (mais…)

Conselho da FEB aprova a alienação dos imóveis do Museu Espírita de São Paulo

Assembleia virtual desta 2ª feira, 15 de novembro, com apenas um voto contrário dentre os quase 60 votantes (alguns por procuração) decidiu pela aprovação da venda dos prédios. Perri, com apoio do CCDPE, tentou evitar a decisão, mas foi ignorado.

O prédio principal do Museu, fechado há alguns anos, está no coração do conhecido bairro paulistano da Lapa.

A situação estava decidida antes da assembleia ser instalada: os atuais dirigentes da FEB se haviam determinado a vender alguns imóveis recebidos em doação pela entidade a fim de fazer frente à sua situação econômico-financeira e a assembleia convocada para deliberar sobre o assunto foi mera formalidade. Prova disso é que o Edital de convocação, para cumprir a lei, trazia apenas a informação geral de discussão e aprovação de alienação de alguns imóveis, sem especificá-los. A indicação desses imóveis só foi veiculada dois ou três dias antes, com um adendo ao edital, quando se tomou conhecimento de que os prédios doados, junto com o acervo, pelo Museu Espírita de São Paulo eram os mais destacados entre eles.

Durante a assembleia tomou-se conhecimento, também, de que já há tratativas ou perspectiva de negociação dos imóveis com uma construtora interessada em levantar no local (mais…)

FEB decide nesta segunda-feira em assembleia a venda da sede do Museu Espírita

Recebido em doação do fundador, museu que a FEB deveria preservar como patrimônio do espiritismo poderá ter uma de suas partes importantes transformadas em moeda, perdendo, assim sua principal destinação.

Acima, a recepção do Museu. À direita, um dos ambientes dedicados a Allan Kardec. (Ver correção ao final da notícia.)

 

A notícia é verdadeira: a Federação Espírita Brasileira, FEB, discutirá nesta segunda-feira, dia 15 de novembro de 2021, a venda (alienação) de alguns de seus prédios, entre eles a sede do Museu Espírita na Capital paulista. A assembleia convocada em caráter extraordinário será realizada no modo virtual e tem o propósito de autorização de venda de parte do patrimônio físico da centenária instituição.

A notícia foi dada em primeira mão pelo ex-presidente da FEB, Antonio Cesar Perri de Carvalho e foi confirmada por documento veiculado entre os membros do Conselho, (mais…)

Em live, autor do livro Nem céu nem inferno esclarece sobre pontos controversos das polêmicas adulterações

Paulo H. Figueiredo diz o que pensa sobre as modificações introduzidas nos livros A gênese e O céu e o inferno, ambos de Allan Kardec, em encontro realizado virtualmente pelo canal da Abrade no dia 19 de outubro. Vale conferir.

É preciso mais do que contextualizar o espiritismo, afirma Paulo. Clique para assistir.

É preciso contextualizar Kardec, mas não basta essa contextualização para compreendê-lo. É preciso conhecer o pensamento da época e conectar esse pensamento com a atuação de Kardec. Essas e outras colocações puderam ser discutidas na entrevista ao vivo dada pelo autor do livro Nem céu nem inferno (e outros) à equipe da Abrade, tendo Marcelo Firmino na coordenação acompanhado por Luis Lira e Ivan Franzolim.

Em mais de duas horas de bate-papo, com alguns momentos intensos, Paulo H. Figueiredo tocou em pontos cruciais para o entendimento das questões que chamam a atenção do debate sobre as adulterações. (mais…)

Meu Livro dos espíritos me foi sugerido por invisíveis vozes*

Para aquele que estabeleceu uma relação afetiva com seu livro preferido na base de um livro de ouro, qualquer mínima possibilidade de vir a se distanciar dele pode significar um abalo semelhante à perda de seu ente mais querido ou de seu amigo mais admirável.

A história do Livro dos espíritos, para mim, não é a daquele que foi lançado em primeira edição em 1857, na França. Não! Essa história é a de Allan Kardec, o seu feliz coautor, que logo depois publicaria a edição definitiva, consideravelmente aumentada. O meu exemplar de O Livro dos espíritos percorreu duas trajetórias: a primeira, até chegar a mim, a segunda depois de estar comigo. Esta última trajetória continua sem termo final, pois passou da fase do livro impresso para a do conteúdo registrado na mente imortal. Ou seja, de qualquer modo, seguirá ele comigo mesmo depois que o corpo virar cinzas a fertilizar um jardim qualquer.

Para satisfazer os amigos em sua curiosidade, conto aqui essa história de mais de meio século.

Havia três meses que eu chegara na cidade de São Paulo, vindo de Minas Gerais, com o desejo de ficar para sempre. Na infância, ouvi falar do espiritismo e tive medo. Na mocidade, ouvi de novo e fiquei encantado. Foi na maior cidade da América Latina que encontrei o primeiro Livro dos espíritos e isso se deu de maneira repentina. Até então, tudo ou quase nada do que sabia sobre o espiritismo era de orelha.

Para amainar as noites solitárias na pensão da Avenida Tiradentes, eu comprava, às sextas-feiras ao final da tarde alguns livros da livraria de saldos do Largo São Francisco, em frente à Faculdade de Direito. Eram baratos e eu poderia preencher as noites de todos os dias da semana seguinte. Lá pela terceira ou quarta vez que ali compareci, vi um livro encadernado, de lombada para cima, de título O Livro dos espíritos. Ao seu lado, também encadernado, O Evangelho segundo o espiritismo e O livro dos médiuns. De pronto (mais…)

O espiritismo não se tornou popularmente contraditório por culpa exclusiva dos adeptos

O grande dilema enfrentado atualmente é a transformação do espiritismo em uma religião instituída de forma oficial. Isso impede que as pessoas atraídas por sua mensagem conheçam o quanto a doutrina organizada por Kardec pode ajudá-las a libertarem-se da heteronomia que as asfixia.

A visão milenar que se tem de Jesus é aquela produzida pelas religiões cristãs dogmáticas e explícitas na mensagem que passam, baseada num misto de libertação e prisão ao mesmo tempo, com sua saga de pecado e punição, queda e expiação. Para contrapor uma outra mensagem, que de fato deveria ser prioritária, o espiritismo ensina com seus princípios básicos que a vida na Terra não se destina ao sofrimento e que o ser humano não reencarna para padecer por culpas, para viver em expiação, mas para a realização, para o progresso, com vistas, pois, à felicidade.

No livro PONTO FINAL, o reencontro do espiritismo com ALLAN KARDEC, buscamos resgatar a mensagem original de Kardec com a demonstração dos fatos que levaram às distorções e o trouxeram assim até os nossos dias, especialmente no Brasil. O objetivo do livro, portanto, não é tratar dos valores negativos trazidos para a doutrina e mesclados a ela após a ausência física daquele que a produziu. O livro trata, fundamentalmente, da oposição entre AUTONOMIA e HETERONOMIA, para entrar no ponto principal que é a desfiguração que atinge inevitavelmente o espiritismo quando é apresentado dessa forma, como se nele convivessem de modo harmônico esses dois fenômenos. (mais…)

Os fatos ensinam enquanto as histórias divertem*

Depois de mais de século e meio de submissão a conceitos contraditórios, o espiritismo enfim alcança o seu estágio de filosofia desprendida de quaisquer amarras, em sua missão de educar e ajudar a construir uma nova cultura de autonomia e liberdade.

Assim como esta foto, uma faceta pouco conhecida da vida de Bezerra de Menezes emerge do livro PONTO FINAL, de Wilson Garcia.

Enquanto algum leitores ficaram surpresos com a posição assumida por Bezerra de Menezes na história do roustainguismo brasileiro, outros se disseram perplexos e alguns manifestaram contrariedade com a publicação dos fatos. Estes últimos prefeririam que nada fosse dito para não deslustrar tudo o que se sabe e se escreveu sobre a pessoa de Bezerra de Menezes, considerado que é um verdadeiro herói. Bezerra figura como espírito guia de uma centena de centros espíritas, instituições federativas estaduais, grupos e indivíduos. A ele dezenas de pessoas recorrem diariamente em busca de consolo, proteção, cura e orientação. Livros o exaltam, palestras relembram seus feitos e as imagens fotográficas mais difundidas dele o mostram como uma figura doce, delicada, sensível e altamente preocupada com o próximo. Seria ele um santo se o termo não estivesse comprometido com o léxico católico; sobra, então, para os seus admiradores classificá-lo como Espírito Superior, segundo a escala elaborada por Allan Kardec. Na prática, porém, o fulcro da ideia permanece o mesmo, ou seja, a figura do homem nascido do útero materno foi transmutada para a do herói que venceu todas as etapas de uma dura jornada até alcançar o patamar superior do verdadeiro mito.

Longe estamos de pretender mudar a história ou de querer convencer os leitores do contrário. Não foi para isso que escrevemos o livro PONTO FINAL, o reencontro do espiritismo com ALLAN KARDEC, no qual a pessoa de Bezerra de Menezes aparece entre os principais pilares do roustainguismo brasileiro. O objetivo fundamental, a tese básica da obra é a conexão (espúria) implementada entre a autonomia moral exposta na filosofia espírita e a heteronomia dominante na ideologia de Roustaing, que resultou na cultura híbrida do meio espírita brasileiro. O que surgiu um dia como um passo à frente na história do conhecimento humano – o espiritismo – tornou-se um passo atrás na sua (con)fusão com a pandêmica idolatria de base católico-roustainguista.

Bezerra de Menezes está presente nessa parte da história como personagem de destacada participação, como o dizem os fatos narrados nos documentos da época, entre os quais as publicações feitas pela própria Federação Espírita Brasileira (FEB) como o então jornal Reformador, (mais…)