Boberg enfrenta o dilema do Cristo de Emmanuel e o de Paulo de Tarso

Em tempos surpreendentes de novos documentos e rearrumação da história do espiritismo, o livro O Cristo de Paulo de Tarso é mais uma oportunidade de resolver os conflitos do conhecimento – ou de aprofundá-los.

Quando o escritor José Lázaro Boberg me enviou os originais de seu livro em preparo para publicação, fez uma solicitação que, depois de devidamente me assenhorar do conteúdo, atendi: algumas breves linhas sobre o O Cristo de Paulo de Tarso. Ficou evidenciado, para mim, que a obra estava destinada a ser mais um dos estudos a colocar em discussão de modo claro tudo o que até então se sabe sobre a figura daquele que é considerado um dos alicerces mais fortes do cristianismo, também muito respeitado em todo o meio espírita brasileiro. O livro Paulo e Estêvão, de Emmanuel/Chico Xavier é um dos romances mais vendidos de toda a literatura espírita. Escrevi, então:

“Eis um livro para se ler com calma, mas, também, com espírito desprovido de conceitos fixos. As surpresas começaram pelo autor, que ficou balançado em suas crenças ante os fatos que brotaram das pesquisas. E tendem a alcançar os leitores cuja visão do conhecido apóstolo de Tarso se formou sobre as bases tradicionais do cristianismo pós Concílio de Nicéia. Assim, também, os espíritas que conhecem, admiram e exaltam o Paulo que desponta do romance de Emmanuel pelo Chico Xavier: Paulo e Estevão. Quais reações este livro vai causar? Com certeza, cada leitor terá a sua reação, seja por conta da concordância e da discordância com o Autor, ou até mesmo de nenhuma delas. Ninguém, porém, passará incólume depois de conhecer o Paulo que não viu Jesus e sequer leu os Evangelhos.”

Boberg descreve o impacto que sofreu ao descobrir o Cristo gnóstico de Paulo de Tarso. Impacto profundo! Daqueles que desnorteiam e balançam as convicções e até põem em questionamento a validade de prosseguir nos estudos, como ele mesmo declara. Felizmente, prosseguiu e podemos, agora, contar com sua obra que, se não deve ser vista como palavra final sobre o assunto, tem o peso de uma pesquisa séria, obstinada e valorosa.

Em que ponto crucial se colocou Boberg? Naquele em que as duas vertentes aparecem e se põem como opção de escolha: ou se segue por uma via ou se vai por outra. Não há conciliação possível entre elas, de modo a atender os corações dos estudiosos e admiradores de Paulo de Tarso. O Cristo gnóstico, que o autor descobriu e agora defende, é aquele que não fala de Jesus de Nazaré, a quem não conheceu e – importante! – também não conheceu os Evangelhos cuja mensagem tem Jesus na origem. Paulo, nesta versão, fala de um outro Cristo, que fica exposto neste texto de Boberg:

“Você será surpreendido com essas novas reflexões, em se comparando com as interpretações, no geral, dadas até agora. Perceberá, com base em pesquisadores de ponta do mundo todo, que, quando ele [Paulo] se refere a Cristo ou Jesus Cristo não está falando de Jesus de Nazaré, mas do ser espiritual, o Cristo Cósmico, que sempre existiu e sempre existirá”.

O livro não inova se olharmos apenas para o fato de se valer de informações levantadas por pesquisadores e estudiosos, as quais reproduz como forma de sustentação de um discurso incisivo. O mérito aí está no método que organiza os fatos e os dispõe de modo a facilitar ao leitor obter uma visão da história e do tempo de Paulo de Tarso. Por esse caminho, vê-se um Paulo que foi assumido pela Igreja Católica com todo o seu discurso, conselhos e práticas, a dar origem ao Cristianismo. Mas o caminho oferecido pelas fontes nas quais o autor foi se servir não é este e, sim, o que mostra um outro Paulo, aquele que não está de modo algum relacionado com os ensinamentos do homem Jesus de Nazaré por, afinal, sequer o ter conhecido ou haver tomado conhecimento dos relatos contidos nos evangelhos canônicos.

Essa vertente nova é a que vai chocar-se de frente com a tradição que se formou nos meios espíritas e que se fortaleceu com as obras de Emmanuel e o médium Chico Xavier, tanto as que fazem as diversas interpretações evangélicas, quanto – e em especial – as que abordam diretamente as cartas de Paulo, estando aí em destaque o romance Paulo e Estêvão. A nova interpretação, que Boberg oferece, tende a reproduzir nos leitores e admiradores da obra emmanuelina aquilo mesmo que provocou no autor, ou seja, um abalo nada desprezível. Isso fica ainda mais amplo quando se sabe que entre nós, espíritas, há incontáveis estudos, inumeráveis palestras, cursos etc. cuja fonte bibliográfica está assente ou tem como ponto de sustentação o livro Paulo e Estêvão.

Não se pode olvidar que a história de Paulo de Tarso está repleta de fatos e detalhes que permanecem obscuros, seja pelo olhar da história tradicional construída pelo mundo cristão, seja pelo olhar decorrente dos estudos e pesquisas que o desligam dessa história tradicional. Boberg aborda vários deles, inclusive aquele acerca do encontro de Paulo com Jesus na estrada para Damasco, e os analisa sob o novo olhar, do Cristo Cósmico. Tal situação leva o leitor deste O Cristo de Paulo de Tarso a um ponto crucial, qual seja, o de ter de se decidir de modo autônomo e livre por qual dos Paulo deve optar: se o da tradição cristã ou se pelo Cristo gnóstico, agora destacado. E para isso o Autor pode apenas ajudar a formar convicções, nada além. Ainda assim, convenhamos, trata-se de uma ajuda muito bem-vinda.

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