Biógrafo afirma não acreditar que Bezerra de Menezes dirigiu a FEB com poderes discricionários

Ícone inconteste do espiritismo religioso, Bezerra, no entanto, confirma ter assumido a presidência da instituição com carta branca para decidir segundo suas conveniências.

 

Luciano Klein, à esquerda e à direita Marcelo Firmino (acima) e Luis Lira.

À espera do lançamento da biografia de Bezerra de Menezes, prometida para fins de setembro próximo, a Abrade, Associação Brasileira de Divulgadores do Espiritismo, realizou entrevista ao vivo com o autor, Luciano Klein, que também é presidente da Federação Espírita do Estado do Ceará, no último dia 14 de agosto. A transmissão ocorreu pela página da Abrade no YouTube – assista aqui.

Segundo Klein, o livro já se encontra em fase de edição, conterá 1.300 páginas e é o resultado de 30 anos de pesquisas. Seu lançamento fará parte das comemorações dos 190 anos de nascimento de Bezerra de Menezes, que ocorrem neste mês de agosto.

Um dos momentos mais destacados da entrevista foi a abordagem do autor a respeito da informação que comento em meu livro Ponto Final, o reencontro do espiritismo com Allan Kardec, de que Bezerra de Menezes assumiu o seu segundo mandato na presidência da Federação Espirita Brasileira com poderes discricionários, absolutos, em face da situação caótica econômica e política daquela instituição. Klein afirma não acreditar nisso e não conhecer nenhum documento que o prove. Vejamos.

Klein diz se basear em documentos primários e não em versões, utilizando-se da ata da reunião que elegeu o novo presidente, onde não consta tal condição. Afirmou mais, que desafia que lhe provem ser verdade que Bezerra teve poderes excepcionais, respondendo a internautas que lhe questionaram sobre o que entendem ser uma contradição. O autor também desqualifica publicações da própria FEB, que fazem o registro dessa condição dada a Bezerra de Menezes, enfim, ele que foi procurado sob o entendimento de ser, àquela altura, o único em condições de salvar a FEB da extinção.
Há de se convir que seria ingenuidade esperar que uma Ata de Eleição registrasse tal condição, que em geral só é colocada em conversas de bastidores, quando ocorre.

Mas a prova existe. Bastaria um pouco mais de atenção e de boa vontade ao pesquisador para encontrá-la. Vamos, pois, ajudá-lo nesta tarefa importante e necessária. Ela lá está, à página 235 do meu livro Ponto Final, em texto reproduzido do jornal Reformador sob o título “Declaração necessária”, escrito pelo próprio Bezerra. Diz o então presidente: “Aos espíritas da Capital Federal e dos Estados, julgo do meu dever, para evitar equívocos, declarar (…) Que se, antes da minha presidência, a Federação nomeou delegados junto ao [Centro da] União, eu não a ratifiquei, tendo recebido o cargo com poderes discricionários”.

Como se observa, Bezerra não só afirma estar de posse de poderes absolutos no cargo máximo da FEB, como também deles faz uso publicamente, à semelhança de conhecido monarca francês que afirmou “o Estado sou eu”. Estava Bezerra em guerra com os dirigentes do Centro da União, leia-se Torteroli, ao qual a FEB era filiada e ocupava uma sala em seu prédio e do qual o próprio Bezerra era diretor. O objetivo dele era reduzir o prestígio do Centro e transferi-lo para a FEB. Não há exagero nessa afirmação; o nome disso é guerra, foi iniciada e comandada por Bezerra pouco depois de assumir o seu mandato em 1895.

Como se vê, Bezerra de Menezes teve (se exigiu que lhe dessem para aceitar o cargo não podemos afirmar com todas as letras) poderes totais na presidência da FEB. Impossível negar. Teve e deles se utilizou, inclusive para desacreditar o Centro da União, que era a verdadeira Federação da época. Há que se lembrar que quando deixou o primeiro mandato na presidência da FEB, saiu bastante agastado com a situação reinante. Portanto, é possível deduzir que, para aceitar o retorno em 1895, cerca de cinco anos depois, tenha feito exigência dessa ordem.

Luís Lira, um dos dois entrevistadores (o outro foi Marcelo Firmino) em consonância com Klein, havia dito semana antes, também em transmissão ao vivo pelo YouTube – assista aqui – que Bezerra foi o verdadeiro sucessor de Allan Kardec. Isso mesmo, o autor do bom trabalho Os livros dos espíritos agora faz esta afirmação de modo peremptório, com escassas possibilidades de dar prova dela. Acompanhemos suas palavras:

“Nós [ele, Lira] estamos colocando que o sucessor de Kardec, que ele achava que ia ser na França, foi Dr. Bezerra de Menezes no Brasil, porque a cúpula (…) os espíritos estavam passando para Kardec não era mais livros doutrinários, era a concepção de uma religião espírita”. Duas declarações bombásticas: Bezerra, sucessor de Kardec e este trabalhando na concepção de uma religião espírita. Que venham as duas provas.

Lira prossegue: “Isso nós vamos provar num artigo com os manuscritos que estão aparecendo, onde os espíritos estavam induzindo e determinando (grifo meu) a Kardec que ele teria de constituir uma religião”. Primeiro: estranha-se que os espíritos determinassem a Kardec alguma coisa e que este aceitasse a determinação pura e simplesmente. Mas como há, segundo Lira, prova documental disso vamos aguardar.

Continua Lira, explicando porque “acha” que Bezerra é o sucessor de Kardec: “Se Bezerra é criticado porque deu viés religioso ao espiritismo no Brasil, ele simplesmente estava obedecendo ao plano dos coordenadores da Codificação”. (Grifo meu.) Essa opinião é dedução e indução ao mesmo tempo, ou seja, para ela, penso, será difícil apresentar prova, o que, em se confirmando, deixará o historiador em maus lençóis.

Lira finaliza, após ler pequeno trecho de mensagem mediúnica amorosa atribuída a Bezerra de Menezes: “Este é o continuador da obra de Kardec, da obra da codificação”. A tempo: não há informações sobre o médium, a data e o local em que a mensagem foi comunicada. Isso, no entanto, não nos impede de analisar uma seríssima consequência que adviria se fosse documentalmente provado que Bezerra de Menezes é o sucessor de Allan Kardec: estaríamos diante da destruição da figura de Kardec, uma vez que o seu substituto, escolhido à sua revelia, é o defensor intransigente do pensamento roustainguista e foi seu introdutor na FEB, que o disseminou pelo Brasil a fora. Ou seja, o desastrado adversário que a doutrina espírita teve seria ao mesmo tempo o beneficiário daquele que substituiu Kardec. Impressionante!

Mas como temos convicção de que tudo não passa de ilações da mente imaginativa, capaz de criações fantásticas, ficaremos à espera da manifestação com apoio na razão científica.

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