As grandes turmas estão condenadas a desaparecer após a pandemia da COVID-19?*

Nenhum ensino de filosofia, como a espírita, nenhum conhecimento científico, nenhum aprendizado ético-moral pode produzir pensamento crítico reunindo multidões numa mesma sala. Não há método pedagógico capaz de validar isso.

Multidões são incompatíveis com o pensamento crítico.

Grandes centros espíritas, à semelhança de federativas excessivamente crescidas, buscaram solução para o desafio de atender e incorporar o crescente número de pessoas interessadas na doutrina abrindo salões com capacidade para reunir centenas delas ao mesmo tempo e passaram a ministrar-lhes ensinamentos pelo método mais ante pedagógico possível: o monólogo dos expositores regidos por apostilas de raciocínio padronizado e narrativas pre formatadas.

O método pestalozziano, que havia alçado Hipolite Rivail ao cenário dos grandes professores e, depois, facilitado o nascimento de Allan Kardec, que o reverencia de modo prático ao desenvolver a doutrina espírita, aquele método tornou-se letra morta para os dirigentes espíritas do Brasil moderno.

O ufânico registro de que tais instituições conseguiam números extraordinários, atendendo milhares de pessoas diariamente e reunindo parte delas em seus salões e cursos passou a ser reproduzido como peça de sucesso, capaz de rivalizá-las com suas congêneres, que ainda permaneciam em suas sedes acanhadas e quase desertas, mas, também, causando-lhes ciúmes e desejo de imitação.

Num tempo mais próximo, essas pequenas multidões tornaram-se uma espécie de resposta às multidões dos templos neopentecostais e às outras multidões de católicos em missas campais. Depois, viriam os equivocadamente denominados congressos espíritas, feitos a critério para reunir outras pequenas multidões e oferecer-lhes mais do mesmo, como uma espécie de aperfeiçoamento do método ao transformar palestras em espetáculo e oradores em artistas, num cenário teatral ao qual não faltam o contexto da reprodução dos badulaques, camisetas com o rosto dos ídolos, praças de alimentação etc.

Necessário reafirmar: num contexto desses, o que mais se ensina é o que menos é espiritismo. Ou melhor, não se ensina nada, apenas se satisfaz ao coração e se cria multidões de crentes. A consciência crítica só pode nascer do ambiente natural, das reflexões e diálogos permanentes e das experiências sociais. Impossível encontrar campo fértil para o conhecimento espírita entre multidões extasiadas e atentas a ídolos, à espera de grandes tiradas ou anedotas pontuais, para rir e chorar e depois voltar para casa com o desejo aparentemente atendido. Não se pode esperar que multidões sejam capazes de refletir sobre filosofia e ao mesmo tempo realizar o desenvolvimento do potencial que há em cada ser humano, em meio à ausência de uma condição mínima de diálogo e num contexto asfixiante de multiplicidade de espetáculos.

Em tempos de pandemia, em que o recolhimento à condição de distanciamento social, até mesmo por obrigatoriedade legal e sob o risco de punições, deve-se perguntar se esta é uma oportunidade a ser aproveitada para reencontrar o espiritismo consigo mesmo, ou seja, a sua prática e seu ensino, refazendo métodos e reconstruindo espaços apropriados para o seu desenvolvimento segundo o melhor bom senso e a mais adequada tecnologia, dentre as quais as que reúnem as condições corretas para o diálogo, o incentivo em campos valorativos da condição necessária à liberdade e à autonomia dos indivíduos. E mais, deve-se aproveitar para colocar na pauta das matérias o ponto fundamental capaz de conduzir o indivíduo a compreender o espiritismo: o pensamento crítico, que decorre de uma bem desenvolvida consciência para a autonomia. Afinal, temos que nos afastar dos recintos onde a heteronomia impera, que oferece amarras às mentes, e nos aproximar dos ambientes sadios da liberdade de pensar e escolher, para que haja a primazia do aprendizado.

*Em homenagem aos 73 anos da Mocidade Espírita Estudantes da Verdade (MEEV) do Centro Espírita Allan Kardec (CEAK), de Santos, SP.

10 Comments

Olá, seu comentário será muito bem-vindo.

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.