A credibilidade da informação na Internet

A disposição dos espíritas para compreender a importante questão da informação na Internet e, em especial, os fatores e os desdobramentos da sua credibilidade, têm o significado maior de se saber que o avanço das tecnologias da informação exige dos cidadãos e das organizações sua integração à realidade do mundo contemporâneo, às novas estruturas e possibilidades comunicativas. A sociedade da informação a tudo abrange e a tudo engloba, altera e influencia, sendo por isso considerada a mais nova grande revolução que introduz a humanidade na Economia Digital de silício, computadores e redes, em substituição à Economia Industrial baseada no aço, nos automóveis e nas estradas1. Por isso mesmo, antes de entrar na análise da credibilidade da informação na grande rede mundial, convém fazer um passeio pelas principais vias oferecidas, principalmente para verificar que a rede e, portanto, o que por ela transita, alcançam níveis que vão do ser humano como indivíduo anônimo até às grandes corporações mundiais.
Já há algum tempo, quando a rede era apenas uma evidência mais do que palpável, especialistas discutiam com agudez a questão, perguntando-se pelas possíveis conseqüências do impacto que ela causaria nas futuras gerações e em todo o espectro social por ela abrangido. As questões levantadas e a abrangência percebida despertavam dúvidas como:
1. Que mundo resultará da nova realidade? Um mundo onde a divisão social se faria ainda mais profunda, colocando em lados diferentes aqueles que possuem participação na rede e estabelecendo o que se denominou “divisão digital”? A perspectiva de instalação de uma divisão real nesse sentido se verifica, dado que a participação na rede, em larga medida, ainda hoje favorece as classes sociais mais abastadas.
2. Qual o seu impacto na economia mundial, em termos de geração e extinção de empregos?
3. A rede invadirá de forma irrefreável a intimidade das pessoas, transformando definitivamente a nossa capacidade de decidir sobre quais informações desejamos e permitimos que nos sejam enviadas? E de que forma aceitamos sejam as informações pessoais utilizadas?
4. Em termos de qualidade de vida, haverá ganho real, as pessoas serão mais solidárias e participativas ou se isolarão no silêncio de suas residências, eliminando a separação sempre importante entre o trabalho e o lazer ou tempo livre? O que a Economia Digital reservaria para a humanidade em termos de trabalho?
5. Por extensão, qual o impacto das novas tecnologias da informação e sua fusão com os outros meios de comunicação, sobre as famílias? Reviveremos a época em que a família estava mais junta e, portanto, dispensava cuidados diferentes aos jovens e aos idosos, planejava seus cotidianos solidariamente, cuidava da educação, das compras e do lazer? Ou a solidão do indivíduo em virtude dessa característica individualista da rede se aprofundará, em contraponto às suas necessidades sociais?
6. Que tipo de controle será possível fazer sobre as informações altamente negativas, como os sites pornográficos, a pederastia, a exploração sexual de menores, o racismo e a violência? É possível estabelecer algum tipo de censura na rede e, acrescentando, é saudável algum tipo de censura?
7. Que forma de relação advirá da nova tecnologia para setores fundamentais da economia e da vida social, como empregados e patrões, sindicatos e empresas etc.?
8. Finalmente, como serão as relações do governo com a nova sociedade que nasce ou se transforma a partir da Economia Digital? Como será encarado o cidadão do ciberespaço, atuante em um novo lugar com regras próprias, organização específica etc.? Sendo obrigado a considerar e se integrar à nova situação, o governo e a sociedade melhorarão as condições de democracia e criarão uma outra democracia, mais aperfeiçoada?

Colocadas como foram, algumas dessas preocupações já encontram suas primeiras respostas; outras, porém, se vêem agudizadas pelo desenvolvimento da tecnologia da rede, ou, então, ainda não obtiveram respostas satisfatórias. De qualquer modo, todas essas indagações interessam de perto à sociedade mundial, tocam-na de forma abrangente e por isso alcançam a comunidade espírita, porque a rede mundial não pode constituir preocupação apenas com a informação em seu fluxo receptivo, de uma só direção – aquela que vem de fora para dentro – mas deve ser considerada em seu aspecto total, como um meio pelo qual a sociedade se comunica, em regime de mão dupla, de diálogo e circularidade interativa. Talvez esteja mesmo na hora de pensar o computador não como extensão do homem como o definiria McLuham, mas como uma certa individualidade que articula ações ora como um companheiro dócil em duplicidade com o homem, ora como um indivíduo dotado de cérebro e autonomia, senão por possuir autonomia real, pelo menos por parecer dispor dela aos olhos desatentos daqueles que manipulam teclados e mouses em meio ao caos diário das informações em circulação. Esta, porém, será uma discussão teórica, fora dos propósitos deste trabalho.
De qualquer forma, temos o homem e a máquina, e ambos inseridos num complexo contexto de rede, uma teia gigantesca e incontrolável e assim se chega a um dos pontos cruciais: a questão ética. A ética se encontra na base de qualquer consideração sobre a credibilidade da informação, embora seja preciso reconhecer que ela, por si mesma, não resolve todo o espectro da informação em termos de poder assegurar a sua confiabilidade. Há um mundo de informações e conhecimentos que não podem ser analisados simplesmente pelo caráter ético se se deseja de fato compreender sua função, oportunidade, utilidade e importância, uma vez que sua origem escapa completamente ao cidadão do ciberespaço; dir-se-á mais, é completamente impossível ao cidadão dispor por si de uma capacidade total de análise de todas as informações que lhe são acessíveis ou que lhe são disponibilizadas.
A ética, contudo, considerada em seu aspecto fundamental, como um conteúdo de regras universais válidas para qualquer povo e qualquer contexto, tem a função de garantir a veracidade e a utilidade da informação. Considere-se, porém, que a questão só poderá ser convenientemente analisada quando se considerar a rede em sua totalidade e aí é preciso perceber a potencialidade dos cidadãos no uso de sua liberdade de expressão em que os interesses e o modo como operam se tornam decisivos. Em conjunto com isso, deve-se perceber também a presença das corporações, grandes e pequenas, no desejo de se fazer presente e dominar o novo meio.
Cidadãos, então, nos quais se incluem aqueles cuja ação na rede terá por motivação visível o interesse de disseminar verdades nas quais acreditam e pelas quais lutam, ao lado de outras motivações, menos visíveis mas reais, como o influir sobre os destinos das pessoas e da sociedade. O espírita deverá aí ser considerado como qualquer outro cidadão, seja na qualidade de receptor de informações, seja na condição de produtor dessas mesmas informações; no ato de recepcionar e aplicar a compreensão e na atitude de responder compreensivamente ao que recebe; sintetizando, no ato de produzir informação, colocar na rede e recepcionar a informação-resposta, o retorno.
A credibilidade da informação deve ser considerada, também, em dois aspectos igualmente importantes: na presença da informação materializada e na ausência material de informação. Expliquemos: há informação que se encontra completa, como um discurso que pode ser analisado criticamente por sua forma e seu conteúdo, assim como há informação cuja principal característica é a supressão dos fatos, de seus elementos fundamentais, porque contrapõe conteúdo à forma quando o discurso tenta produzir uma impressão ou resultado que não está explícito na informação.
Todos os discursos ideológicos, movidos pela intenção de convencimento do outro para idéias particulares, correm o risco de padecer desse mal e em geral padecem, porque a mensagem tem como compromisso maior o ato de convencer e não o ato de informar. É para este detalhe que se chama a atenção da comunidade espírita, uma vez que se é importante analisar a credibilidade e, portanto, o real valor das informações das quais se é receptor, por outro lado, dada a própria característica da rede que não opõe limites e controles aos seus integrantes e a todos transforma em sujeitos e receptores ao mesmo tempo, torna-se indispensável considerar essa dupla condição do indivíduo espírita que, sob o compromisso de divulgar sua doutrina, não pode minimizar sua capacidade de influir e participar da construção e desconstrução da informação.
As questões básicas que se colocam, portanto, quando se estuda o fluxo das informações na rede, são duas: de um lado se deseja saber como se poderá conviver com o seu extraordinário volume, e de outro, se pergunta sobre a capacidade seletiva dos indivíduos diante do fluxo e da rapidez cada vez mais acentuada com que as informações circulam em nível de intensa transformação nos diversos pontos por onde passam. Entra-se, novamente (ou, talvez, não se sai jamais), na questão ética, uma vez que a seletividade pressupõe a possibilidade de conhecer as fontes e de estabelecer um julgamento qualitativo da informação, mas reconhecendo-se que na rede, muitas vezes, ninguém é dono de nada e todos são proprietários de tudo.
Outro aspecto da questão ética reside na capacidade de consciência dos internautas, ou seja, até que ponto o internauta tem consciência clara de suas responsabilidades como membro de uma rede sem regras e sem controles centralizados. Essa questão lembra de imediato a ação de indivíduos isolados ou em grupos ao produzir e fazer circular informação para atender a interesses particulares altamente nocivos à coletividade (pederastia, ideologias políticas sectárias e fundamentalistas, invasão de privacidade etc.). Juan Luís Cebrián assinala, em tom de alerta, que “ao contrário da condução morna, esterilizada e unidirecional dos meios de comunicação de massa, ela [a rede] está criando um lugar em que se pode fazer ouvir qualquer idéia sem se importar até que ponto ela pode ameaçar a ordem contemporânea”2.
Na esfera da espiritualidade (dizemos espiritualidade com o intuito de não repetir o equívoco cometido pelos que entendem que tudo o que diz respeito ao espírito pertence ao terreno da religião, uma vez que o Espiritismo vem impor-se sob o entendimento de um domínio que une os saberes filosóficos e científicos para produzir um conhecimento unitário da totalidade), a ética considerará, de forma distinta, aquilo que é crença (“atitude de quem se persuadiu de algo pelos caracteres de verdade que ali encontrou”, conforme o Dicionário Houaiss) e como tal se expressa e aquilo que é resultado de um raciocínio lógico e assentado em dados ou evidências. É justo concluir que o internauta simplesmente crente operará segundo a ética da conveniência, pois a crença dispensa a necessidade de comprovação e se assenta no dever de produzir convencimento, ou seja, será preciso convencer o outro daquilo em que se crê, independentemente de qualquer coisa. Logo se vê que ao espírita, teoricamente, isso não interessa, não sendo preciso maiores argumentos sobre este ponto. A preocupação, contudo, é com o fato de que aquilo que não interessa teoricamente nem sempre é o que se verifica na prática, isto é, em teoria concordamos, mas a prática do cotidiano diz de forma completamente oposta. Na rede, essa realidade encontra espaço ainda maior pelo fato da inexistência de regras e filtros capazes de dizer com clareza imediata da confiabilidade dos textos e seus conteúdos diversos, mesmo quando estes textos trazem a chancela, o carimbo do Espiritismo em seu caráter formal.
O outro aspecto dessa esfera diz respeito àqueles que trabalham a informação espiritual com os rigores do método e o compromisso com os fatos, na convicção de estar contribuindo para um novo estado de coisas, ou seja, a construção de uma sociedade baseada no saber antes da crença. Neste caso, a questão caminha na direção da produção e valorização da informação que possa constituir conhecimento, ou seja, cuja credibilidade não represente objeto de dúvida. Aqui está o ponto que nos parece principal: toda informação confiável responde por uma parcela de conhecimento, o que significa que a capacidade de ser conhecimento é que estabelece o verdadeiro valor da informação.
Em resumo, a credibilidade da informação na rede mundial implica os atores, os indivíduos inseridos ou não no espaço virtual, as organizações em geral (instituições espíritas inclusas) e toda a sociedade.


1 A esse respeito, leia-se, entre outros, Juan Luis Cebrián, A Rede, Summus Editorial, 1999.
2 Idem, p. 29.

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