Para os vaidosos o espiritismo é apenas o mote

 

Confesso que me constrange ver espíritas fazendo apologia de si mesmos. Retorno ao assunto pelo fato de leitores me solicitarem a opinião sobre casos e pessoas específicas.

 

Não cabe aqui ficar nomeando este ou aquele, nem mesmo neste tipo de situação. Basta o constrangimento que nos causam. E de mais a mais eles estão aí, na imprensa espírita e nas redes sociais, podendo ser facilmente identificados.

Parece que entre os danos morais que a vaidade ocasiona está uma notória desfaçatez e uma incapacidade absurda de não perceber o nível a que descem.

Lembra-me Augusto Veiga, um velho solteirão de minha terra natal. Tinha ele uma vida estável por conta de sua condição social familiar, mas precisava falar ao mundo que existia e era uma pessoa útil à comunidade. Escrevia semanalmente no jornal da cidade, especialmente notícias sobre acontecimentos locais ou nas metrópoles e, por hábito, sempre terminava referindo-se a si mesmo como sujeito de atitudes importantes. Falava na terceira pessoa do singular. Dizia assim: o jornalista Augusto Veiga esteve presente representando o doutor fulano de tal. E transcrevia pronunciamentos que havia eventualmente feito. Ele, na verdade, era a notícia. O acontecimento narrado apenas servia de mote para introduzir a si próprio, atribuindo-se destaque. Era contumaz nesse tipo de comportamento. Ninguém no jornal lhe dava mais crédito e os leitores se acostumaram com essas notícias sem valor. Com o tempo, tornou-se figura de chacota nas conversas de esquina.Tempos atrás, na verdade há duas décadas, aproximadamente, escrevi sobre um indivíduo espírita que ocupava importante cargo em destacada federação espírita estadual. Responsável por seu jornal de circulação mensal e em nível nacional, fazia-se presente em todas as edições, não importava com que tipo de assunto ou notícia. Uma das edições, porém, atingiu o limite da tolerância: fez publicar sobre si, em meio a uma notícia de página inteira – o jornal tinha o formato standard – cerca de 20 fotografias nas mais diferentes poses. Em uma delas, feitas em estúdio com objetivo específico de fazer propaganda de si mesmo enquanto orador, aparecia em pose muito comum a políticos que em período eleitoral buscam o voto popular, ou a artistas em cena profissional.

Esse indivíduo, felizmente, desapareceu com o tempo, deixando, assim, de usar o meio espírita para fazer transbordar sua vaidade. O caso dos espíritas vaidosos, no entanto, continua. E as redes sociais, além dos meios informativos espíritas sem os devidos cuidados, abrem-se com facilidade para essas investidas pessoais. Continuamos a assistir e a receber notícias escritas pelos próprios personagens, em geral na terceira pessoa do singular, falando de seus feitos pessoais, como se escrevessem sobre outrem. Até mesmo com autoelogios.

Noticiam sobre tudo: palestras em centros espíritas, títulos recebidos, encontros com outros líderes, ocasionais ou mesmo programados para fim publicitário, eventos culturais e uma série de outros fatos em que sua presença assume a importância maior. São os vaidosos do espiritismo, que descaradamente se apresentam repetida e insistentemente, com notícias e fotografias em que aparecem em primeiro plano. Diga-se objetivamente: eles mesmos são a notícia; o espiritismo é apenas o mote que disfarça o fato moral deplorável.

Enquanto as lideranças de porte e estatura moral se resguardam para que o conhecimento espírita e a importância da doutrina sobressaia, os líderes vaidosos destes nossos tempos de máxima visibilidade sequer disfarçam os seus objetivos, pois que subscrevem suas narrativas e se apresentam em poses escolhidas em suas fotografias. O pudor é para esses uma palavra fora do dicionário. São, ao mesmo tempo, promotores dos eventos, oradores especiais, fotógrafos, jornalistas e agentes fornecedores de notícias para as redes sociais e veículos espíritas. Estão sempre sorridentes no primeiro plano das selfs ou nas cenas captadas pelos amigos. O complemento disso, pelo qual lutam sem o declarar, é serem reconhecidos como lideranças incontestáveis cuja palavra está disponível, sempre, para os mais diversos assuntos e conselhos doutrinários.

Não apenas a familiaridade, mas a vaidade também cega. E, infelizmente, entre nós, espíritas, tais indivíduos contam com a cumplicidade e a indolência de seus pares para aparecer constantemente em alguns dos meios doutrinários de comunicação. São, como diria Herculano Pires, indivíduos lesa-doutrina e, com certeza, fazem Kardec ruborizar do invisível da vida de onde assiste a essas peripécias semiartísticas.

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