Escandalosa tanto quanto vergonhosa, a palavra antirracista aplicada a uma edição de O evangelho segundo o espiritismo configura um verdadeiro estupro levado a efeito na terceira obra da doutrina.
Em 1974, quando José Herculano Pires denunciou a surpreendente tradução de O evangelho segundo o espiritismo feita por Paulo Alves Godoy e publicada pela Federação Espírita do Estado de São Paulo, estava em curso um danoso projeto de retalhar os cinco principais livros do espiritismo escritos por Allan Kardec. Herculano já vinha há algum tempo alertando sobre isso, conhecedor que era das intenções de certos líderes de promoverem, a título de atualização de linguagem, a alterações no pensamento do fundador do espiritismo.
A intervenção, firme e dura, do principal pensador espírita de então foi providencial e fez, primeiro, estancar a gangrena em seu início para, depois, paralisar e extinguir o malfadado projeto. A publicação do livro adulterado ficou naquela edição. Mas a intenção que levou àquele ato se reproduziu posteriormente com o lançamento de uma nova tradução do mesmo livro, agora feita por Roque Jacintho, que, se não repetia os mesmos defeitos de Paulo Alves Godoy, suprimia partes do texto do livro sob o falso argumento de que os assuntos tratados não faziam sentido mais. Herculano Pires, já desencarnado, nada pôde fazer.
Uma imagem pode não valer por mil palavras, sequer por uma; aliás, uma imagem só adquire algum valor por meio da palavra, pois somente a palavra tem a capacidade de dizer o significado da imagem. Pois é a palavra que escancara e desorganiza a imagem que surge no ambiente digital quando se depara com a capa do livro recém-publicado O evangelho segundo o espiritismo. Intrusa e agressiva em sua violência subsumida, ela grita: EDIÇÃO ANTIRRACISTA. Assim mesmo, em vermelho sangue como se brotasse do peito da mulher negra em sua beleza serena ao fundo, fazendo coro com a coroa de espinhos que carrega na cabeça. Desta, porém, não sai nenhuma gota de sangue, nem da fronte e do rosto dela qualquer sinal de dor. Todo o efeito e peso se transfere para a expressão – EDIÇÃO ANTIRRACISTA – que se faz assim o chicote que se arremete sobre o corpo inteiro do livro.