O primeiro centro espírita da história?

Allan Kardec fundou a primeira sociedade legalmente organizada.Em geral, a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, conhecida como SPEE, é vista e citada como o primeiro centro espírita da história do Espiritismo. Foi fundada em Paris no ano de 1858 por Allan Kardec e alguns amigos. Entretanto, será mais correto afirmar que a SPEE foi a primeira sociedade espírita legalmente organizada, uma vez que suas correlações com o centro espírita têm muito pouco em comum. Em meu livro “Nosso Centro, Casa de Serviços e Cultura Espírita” faço esse registro a fim de contribuir para a formação de uma consciência a respeito da doutrina e a evolução de suas práticas nos quase cento e cinquenta anos de sua história. Permito-me aqui reproduzir as reflexões inseridas no referido livro sobre este interessante assunto. “O centro espírita não se limita a consolar os aflitos com palavras”. A afirmação de Herculano Pires revela o que é concebido de forma geral nos meios espíritas, mas presta-se também a reflexões oportunas, uma vez que o centro espírita como tal encontra-se ainda a caminho de sua melhor definição. A Kardec coube apenas conhecer os primeiros passos da SPEE que, então, nem era conhecida por centro espírita. A expressão centro espírita evoluiu com a própria instituição e é hoje a que indica o local onde se reúnem os seus adeptos para a prática da doutrina. Centro espírita é designativo, pois, deste local e pouco importa se em sua denominação oficial está consignada associação, sociedade, instituição, casa ou outra qualquer. Será sempre indicado por centro espírita.
Desconhece-se qualquer instituição nos primórdios do Espiritismo na França que fosse designada por centro espírita. A expressão foi, certamente, criação brasileira e serviu tanto para popularizar a doutrina quanto para se tornar sua própria designação. Centro espírita é quase sinônimo de Espiritismo.
No início, faziam-se reuniões para estudo e pesquisa dos fenômenos mediúnicos. Compreendê-los era o grande desafio dos pesquisadores da segunda metade do século XIX. Ao publicar o primeiro livro da doutrina Kardec apresentou inúmeras outras possibilidades e o desafio se desdobrou dos fenômenos para os princípios básicos. Tudo era novidade e era preciso descobrir, progressivamente, as possibilidades oferecidas pela doutrina.
A passagem das reuniões mediúnicas praticamente informais para as de uma sociedade organizada, interessada em prosseguir nas pesquisas, mas, também, em aplicar a teoria à prática do cotidiano, forneceu diversos e interessantes desdobramentos. Com a filosofia básica estabelecida, o Espiritismo não poderia se contentar apenas com os fenômenos e sua compreensão. Caso o fizesse, correria o risco de ter o número de interessados reduzido paulatinamente. A mais convincente razão, contudo, estava na própria realidade doutrinária, plena de novas perspectivas capazes de sobrepor-se ao marasmo das repetitivas reuniões de pesquisa.
Kardec não teve tempo nem possibilidade de fornecer algo próximo de um modelo de centro espírita capaz de atender ao desejo do homem do século seguinte. O estatuto que oferece no “Livro dos Médiuns” expressa a intenção de auxiliar através de instruções derivadas especificamente da experiência com a SPEE, fundada fazia pouco tempo, cuja estrutura difere bastante do centro espírita da atualidade.
Por ser a primeira instituição legalmente organizada visando à aplicação prática do Espiritismo e por haver surgido quase um ano após o lançamento de “O Livro dos Espíritos”, a SPEE é tipicamente uma associação disposta ao estudo dos fenômenos mediúnicos, interessada na sua compreensão e nos conhecimentos advindos da relação com as inteligências invisíveis. O artigo primeiro do seu estatuto assegura: “A sociedade tem por objeto o estudo de todos os fenômenos referentes às manifestações espíritas e sua aplicação às ciências morais, físicas, históricas e psicológicas”.
A sociedade foi, de fato, a primeira instituição espírita legalmente fundada a funcionar como estimuladora do aparecimento de outras dentro e fora da França. Limitava-se, contudo, aos objetivos expostos no seu regulamento, nada possuindo daquilo que foi, com o tempo, incorporado como serviço ao centro espírita. O regulamento é uma peça bastante curiosa, mas é também severa do ponto de vista da disciplina ao garantir direitos e estabelecer penalidades para aqueles sócios que porventura viessem a praticar atos que colocassem em risco o nome da sociedade.
Pelo regulamento se fica sabendo que ninguém poderia se tornar sócio sem a indicação de dois membros titulares e a aprovação da diretoria. De certa forma, ainda hoje tal preceito se encontra em boa parte dos estatutos dos centros espíritas, mas com pequena aplicação prática.
A SPEE jamais realizava reuniões públicas. Todas as suas sessões eram privativas dos sócios e vedadas aos curiosos. Quem delas quisesse participar deveria obter autorização do presidente e ainda assim participaria apenas da sessão para a qual a autorização tivesse sido liberada. Os médiuns não detinham direitos sobre as comunicações que obtinham; só lhes era permitido tirar cópia das comunicações, mantendo o original na sociedade. Assim, a SPEE se reservava o direito de uso das comunicações, seja para fins de publicação na Revista Espírita seja para outras finalidades.
As reuniões ocorriam uma vez por semana, às sextas-feiras às 20 horas, alternando sessões particulares e gerais. As primeiras eram vedadas aos não sócios e as gerais admitia a presença de convidados devidamente autorizados, mas os convidados não podiam fazer uso da palavra senão em casos excepcionais.
Os sócios não podiam utilizar o título de membros da SPEE, inclusive nas suas produções intelectuais. Caso fosse de interesse de algum deles fazer essa menção deveria submeter o trabalho à apreciação e aprovação da comissão respectiva.
O regulamento garantia à SPEE o direito de fazer “exame crítico das diversas obras publicadas sobre o Espiritismo” e entre essas mencionava as que fossem publicadas “por um membro da sociedade sob o véu do anonimato e sem nenhuma menção que possa torná-lo conhecido como tal”. O exame era registrado em documento que, a critério da presidência, poderia ser levado à publicação na Revista Espírita.
Como se vê, a SPEE era uma instituição com objetivos diferentes dos de um centro espírita moderno e, embora se tenha bastante o que aprender com ela, especialmente no campo mediúnico do trato com os Espíritos, não se pode compreendê-la senão sob o viés de sua realidade histórica.

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