Sob duas sombras: a história e o invisível

O RESGATE DO WERNECK


 Eis aí um líder que só aceitava a liderança de alguém que possuísse as características do grande líder. Allan Kardec foi um deles. Tornou-se um espírita tardio e dos poucos que, nestas alturas da vida, logrou penetrar com rara lucidez no abrangente conteúdo do mestre lionês.

 “A minha alma não é propriedade do Estado, nem das seitas. Tenho sobre ela jurisdição absoluta. Não tolero que a guiem contra a minha vontade. Hei de salvá-la eu mesmo, ou ela estará perdida. A menos que forças, livremente aceitas, lhe mudem a direção, ela resistirá aos decretos emanados do poder humano”.

Publicado em 1923, este livro tornou-se verdadeira raridade e o museu que leva o nome do autor dispõe de apenas um exemplar.

Essa feliz e comovente declaração faz parte da profissão de fé contida no livro Um punhado de verdades, livro escrito por Américo Werneck e publicado em 1923, no Rio de Janeiro. E quem era Américo Werneck? Quando me presenteou com o exemplar desse livro em 1981, meu amigo Francisco Klörs Werneck, o grande tradutor das obras de Ernesto Bozzano para o português, me disse em bilhete separado: “Meu tio Américo Werneck, engenheiro civil, deputado estadual pelo estado do Rio, foi convidado pelo presidente do estado de Minas Gerais, Silviano Brandão, para ocupar o cargo de Secretário de Agricultura, Viação, Obras Públicas, Indústria e Comércio, que aceitou. Foi construtor de Lambari e prefeito interino de Belo Horizonte. Em Lambari, a rua principal tem o seu nome e o seu busto. Famoso pelo seu trabalho em Minas Gerais, como o seu primo dr. Hugo Werneck”. Até aí, muito pouco. Alguma coisa sobre a participação política dele e nada sobre o espiritismo. É que não havia tempo na ocasião para as devidas ampliações, pois, quando conversamos em seu apartamento no Rio de Janeiro, tínhamos tanta coisa a dizer, mais ele do que eu, que a maior parte do tempo era gasta com informações assim, breves, porém muito, muito variadas. Ademais, Francisco estava então com cerca de 75 anos de idade e vivia a dura experiência de mais de uma década a cuidar da esposa enferma e presa ao leito, onde faleceu algum tempo depois. Ainda assim, sua conversa era tão ágil quanto seu raciocínio lúcido. Pois vamos lá.

Américo Werneck em reprodução do blog “guimanguinhas”.

Sobre a vida política de Américo Werneck, o tio, faço um resumo, já que bom material há hoje disponível na Internet, como neste e em outros endereços virtuais. Américo Werneck teve uma vida política intensa desde cedo, defendia ideias abolicionistas e republicanas, nascera em 1855 e era filho de abastados fazendeiros do interior do estado do Rio de Janeiro. Além de secretário de governo em Minas Gerais e prefeito de Belo Horizonte por um curto período, deputado federal pelo Estado do Rio de Janeiro, sua vida política mais intensa vai se concentrar no sul do estado mineiro, onde também se torna fazendeiro e vai ser o grande batalhador pela implantação uma das principais estâncias hidrominerais da região, tornando-se o responsável pelo desenvolvimento de Lambari, então chamada Águas Virtuosas do Lambary, onde quase tudo o que ocorreu em termos de progresso e conquistas se deve a ele. Isso é, inclusive, tema de trabalho acadêmico, como este.

É naquela estância nome da principal rua, de um museu, possui um busto (foto) e outros destaques mais. Além disso, seu nome está, também, a designar diversos logradouros em cidades e capitais estaduais do Brasil, como é exemplo a própria capital mineira.

Como curiosidade, assinale-se que Américo Werneck teve por alguns anos uma contenda  jurídica com o governo de Minas Gerais por conta de conflitos gerados pelo não cumprimento do contrato de arrendamento para exploração da Estância de Águas Virtuosas, por 90 anos, firmado por aquele governo e a prefeitura de Lambari, sob a gestão de Werneck, resolvendo este desfazer tal contrato. Para encurtar a pendenga jurídica, entenderam as partes fazer um acordo por arbitragem, por sugestão do governo mineiro. No entanto, este próprio governo, em virtude de ter de arcar com boa quantia financeira a favor de Lambari, decidiu contestar na justiça o acordo e para tanto contratou ninguém menos do que o famoso advogado Rui Barbosa. Nem assim conseguiu sucesso, sendo esta conhecida como uma das poucas derrotas de Rui. O fato ficou conhecido como a Questão Minas X Werneck.

Quanto à sua condição de espírita, ele mesmo nos conta no primeiro de uma série de 4 livros em que a doutrina espírita é o tema. E esse primeiro livro é exatamente o que aqui abordo – Um punhado de verdades. Eis como o autor esclarece: “…a minha obra se integralizou em quatro volumes, sob o título geral: “O Espiritismo perante a ciência” […] No primeiro volume – Um punhado de verdades – encaro a questão sob o aspecto político, jurídico, social e religioso. No segundo – Através de Lombroso – exponho os estudos do grande psiquiatra; no terceiro sob o título – No campo das hipóteses – analiso as teorias de Sage e outros, e no último apresento as minhas próprias experiências realizadas com o médium José de Araújo”.

Informações dão conta de que este último livro não chegou a ser publicado. Mas foi isso que ele tanto desejou, pois queria dizer do espiritismo não apenas com a convicção filosófica, que demonstra não deixar a desejar, mas possuidor também de provas materiais, como homem de ciências. Uma vez não logrando provisoriamente êxito aí, especialmente por não haver encontrado então um médium de condições indiscutíveis para os fenômenos necessários, não perdeu tempo e pôs-se a analisar com acuidade as obras de quantos lhe eram admirados, como os estudiosos e pesquisadores já citados. Porém, a sua hora chegaria, como se verá mais à frente.

No museu que leva seu nome, em Lambari, não consta nenhum exemplar desse último livro, mas de Um punhado de verdades há um único exemplar obtido em doação. O político de participação intensa, porém, teve uma atividade literária considerável, também, pois assina romances, livros de cunho jurídicos, tributários, financeiros, transportes etc. Assim como sua atuação tardia de espírita está hoje esquecida, a sua obra literária seguiu igual caminho e os reconhecidos intelectuais Eugênio Werneck e Nelson de Werneck Sodré são testemunhas disso, conforme se observa no texto a seguir, extraído daqui. Antecipe-se, porém, que as raízes familiares desses três personagens de mesmo sobrenome Werneck não estão devidamente esclarecidas, podendo-se presumir que os três têm como fonte a mesma família de origem alemã que chegou ao Brasil ainda no século XVIII.

“A Antologia Brasileira, de Eugênio Werneck, cuja primeira edição foi publicada em 1900, como parte da comemoração pelo quarto centenário do Brasil, foi um dos livros didáticos para ensino de literatura brasileira mais populares de sua época, tendo atingido a 17a. edição em 1935 e a 22a. em 1942. Composta de duas partes, a primeira dedicada à prosa e a segunda à poesia, o livro pretendia introduzir à juventude brasileira trechos notáveis das obras dos mais importantes autores brasileiros, dos tempos coloniais ao fim do século XIX, sobre os mais diversos assuntos e sob as mais diversas formas literárias. Cada excerto vem precedido de uma nota biobibliográfica sobre o autor.

“Dessa obra de Eugênio Werneck consta o texto intitulado A derribada, correspondente ao capítulo XLII de Graciema. A propósito disso, diz Nélson de Werneck Sodré, na pág. 7 do primeiro volume de suas memórias de escritor, que

(…) aqui interessa justamente aquela atividade de Américo Werneck que ficou esquecida: a de escritor. Esse esquecimento é injusto, sob alguns aspectos: na obra de Américo Werneck, variada e relativamente extensa, há coisas que mereciam ser guardadas. Uma só de suas páginas, entretanto, foi salva do esquecimento: na antologia da língua portuguesa organizada pelo Prof. Eugênio Werneck, e que rivaliza, ainda hoje, com aquela organizada por Carlos de Laet e Fausto Barreto, na preferência dos mestres do ensino médio — figura trecho do romance Graciema, de Américo Werneck, descrevendo a derrubada. É, realmente, aquilo que se convencionou conhecer como página antológica (…)”

Um punhado de verdades é um livro ao mesmo tempo altamente crítico de inúmeras questões culturais, sociais e políticas, mas também de conteúdo espírita. Ao incluir um capítulo específico sobre o espiritismo e ter os princípios doutrinários imbricados nos diversos assuntos posteriores, Werneck não só revela uma visão ampla da doutrina como faz uso daquilo que é seu bem mais precioso, mencionado no pensamento expresso na abertura deste artigo, qual seja, a liberdade individual da qual não abre mão sob hipótese nenhuma, e com a qual assume as rédeas de sua conduta de vida consciente de que é o melhor que pode obter dos ensinos deixados por Kardec. Este valor supremo dado com notável desassombro à liberdade e esse assumir das consequências do livre-arbítrio o coloca em condições de sentir-se consciente das próprias responsabilidades perante o destino, mas também o revela destemido e corajoso para enfrentar os temas mais delicados ainda quando atingia as portas da velhice, tendo então ultrapassado os 70 anos de idade.

Um punhado de verdades não é só espiritismo, mas é tudo quanto o espiritismo proporciona, sendo então mais do que espiritismo se por espiritismo pensamos com o acanhamento do ser passivo e volátil diante das obrigações para com o mundo. Werneck abre este seu livro com um capítulo de título “O espiritismo” e tem como obrigação primeira fazer uma profissão de fé, para a seguir traçar uma linha que começa no homem que assumiu o materialismo quase que implícito no meio científico em que se desenvolveu – e esta foi sua opção primeira –  até chegar ao conhecimento dos escritos de Kardec, que fez questão de estudar e demonstra haver haurido assim uma visão doutrinária muito clara, firme, que se expandiu no estudo com as grandes inteligências da época que trilharam caminhos semelhantes, como Lombroso, Crookes, Flammarion, Richet e outros. Por isso, esse primeiro capítulo é também onde se sente forte para, de modo espontâneo, fazer uma crítica segura a Roustaing e sua doutrina, e onde também revela um desejo de fortalecer sua adoção do espiritismo com experiências mediúnicas que, pensava, convicto, coroariam sua opção filosófica pelos ensinos de Kardec. Quando, no segundo subitem do primeiro capítulo escreve que “O espiritismo não é religião” está diretamente apontando para Roustaing, pois abre o primeiro parágrafo com esta segura opinião: “J. B. Roustaing meteu-se a fazer do espiritismo uma Igreja, em oposição aos princípios dessa filosofia e à influência que ela se destina a exercer na evolução do sentimento contemporâneo”. Sua visão aqui como de resto em todo o conteúdo doutrinário tem um pé firmado na racionalidade científica, de modo que em dado instante, após ter passado por aspectos contraditórios de Roustaing, afirma: “Ele não demonstra coisa alguma; excepciona, dogmatiza. Invejoso de Allan Kardec, e sem possuir o seu critério filosófico, ele ambicionou a glória de lhe corrigir a obra, dando-se afoitamente como enviado de Deus”. O capítulo assim se desenrola e termina com uma contundente crítica aos diversos detratores do espiritismo, postura somente encontrada em alguém que adquiriu seguro entendimento da proposta e das bases experimentais da doutrina.

Mas a ideia de uma liberdade individual que deu início ao livro vai prosseguir até o seu termo, levando-o – não se pode perder de vista esse detalhe – a tratar de temas como o Direito, a Saúde, a Cultura, a Raça, a Política e a Democracia, e a tudo isso permear com críticas contundentes a todos esses campos quando o momento se mostra oportuno – e críticas seguras, feitas por alguém que por muitas décadas militou na política em Minas Gerais e no Rio de Janeiro – com revelações corajosas, que raros homens públicos conseguiriam fazer. Mas o fim de tudo e onde de fato estava o seu objetivo maior era defender a função mediúnica cada dia mais atacada, de modo explícito por homens de ciência, sábios da racionalidade, mas ignorantes da espiritualidade, e por representantes da Igreja, dedicados a manter o domínio milenar e nocivo sobre o povo.

Requisitava Werneck para os médiuns em geral e os de cura em especial o direito legal de exercerem suas atividades caritativas, desinteressadas, sem cobrança de espécie alguma, ao mesmo tempo que, complementarmente, requeria para o homem comum a liberdade de escolher com quem quer se relacionar para tratar da saúde, pois era isto para ele um direito inalienável. Dizia que os médiuns receitistas não receitavam de moto próprio, senão por iniciativa dos espíritos e que se as pessoas os procuravam espontaneamente não poderiam ser cerceadas por leis absurdas; mais, afirmava que independentemente de leis cerceadoras dessa liberdade os interessados e os descrentes dos processos médicos legais continuariam a procurar, como de resto o faziam desde tempos imemoriais e o fazem ainda nos dias de hoje em que – afirme-se – as leis contra eles se tornaram ainda mais endurecidas. Reafirmava Werneck que quando a saúde do indivíduo está em risco e a solução não vem pelos médicos, seja porque não as apontam, seja porque o indivíduo não possui recursos financeiros para tal, nada o detém se decide ir ao encontro de um médium ou pessoa semelhante, vencendo as diversas barreiras que se colocam à sua frente, sejam barreiras legais, sejam culturais e até mesmo religiosas.

Livro raríssimo, publicado em 1926 no Rio de Janeiro, com material de reportagens realizadas pelo autor para o jornal Diário de Notícias.

Américo Werneck não logrou deixar publicado seu quarto e último livro da série, conforme anunciou, mas suas incursões pela mediunidade prática ocorreram e disso é testemunha alguns textos ainda hoje disponíveis. No campo dos fenômenos físicos, teve ele a incrível oportunidade de ver diante de si, entre outras, a figura de sua jovem primeira esposa, desencarnada aos 25 anos de idade, em mais de uma oportunidade, concretizando, assim, o seu antigo desejo de experimentar nesse campo do fenômeno mediúnico. Como fizera questão de deixar claro, entendia que nessas experiências fecharia o circuito dos estudos espíritas. Não desejava ver e conversar com espíritos materializados como forma de comprovar a crença, nem para firmar ainda mais suas convicções quanto aos valores da doutrina. Não entraria em aventuras para colimar esse fim, mas tão-somente se encontrasse as condições necessárias, ideais, confiáveis, e uma dessas condições seria poder dispor de um médium à altura, tanto em capacidade mediúnica quanto em comportamento ético. E encontrou nos últimos 10 a 15 anos de sua vida, depois de voltar a residir no Rio de Janeiro. Se não há registros de Werneck que possam ser compulsados sobre essa fase experimental de sua vida, temos o relato de Leal de Souza, cujo nome completo era Antonio Eliezer Leal de Souza, jornalista e crítico literário, considerado um parnasiano e também o primeiro intelectual a escrever no Brasil sobre a Umbanda. Ele, depois de morto (1948), escreveu por Chico Xavier o poema Morte e Encarnação. O seu livro primeiro, No mundo dos espíritos, surgiu de anos de estudos e reportagens publicadas no jornal Diário de Notícias, do Rio de Janeiro. A sua coluna do dia 16 de novembro de 1932 nesse jornal traz um relato muito interessante sobre materializações que presenciou diretamente em reunião dirigida por Américo Werneck, relato este que depois foi compor um livro seu, no capítulo Materializações.

Uma reunião de efeitos físicos

Exemplar de 16 de novembro de 1932, onde Leal de Souza relata a reunião de efeitos físicos dirigida por Américo Werneck, na qual sua primeira esposa se materializa.

 “O ilustre médico dr. Oliveira Botelho, ministro da Fazenda no último governo constitucional, viu operar-se diante de seus olhos a ressurreição transitória de uma de suas filhas, por ele conduzida ao cemitério, sendo também consagradas pelo êxito pleno outras das experiências realizadas sob fiscalização rigorosa pelo sábio engenheiro dr. Américo Werneck e algumas das quais assisti.

O dr. Werneck mandara preparar instalações adequadas à fiscalização, gradeando-as a ferro. Coube-me, de uma feita, a incumbência de exercê-la. Abri e fechei a única porta de acesso ao recanto, conservando comigo a chave; introduzi na sala as outras pessoas convidadas para a reunião; examinei o camarim destinado à retenção do médium, a mesa e as seis cadeiras existentes na sala.

Para não dar caráter religioso à reunião, o dr. Werneck não fez a prece inicial das sessões espíritas, limitando-se a pedir aos crentes que fizessem breve oração mental. Entraram no recinto sob a minha fiscalização seis pessoas além do médium, e meia hora depois éramos doze, sendo que as seis que eu não introduzi moveram-se através de sombras hercúleas, falando entre si. Duas delas, em seguida, assumiram proporções normais de estatura. Perguntou-lhes o diretor dos trabalhos se lhes seria possível fazer ressoar o teto da sala e, imediatamente, por cima de nossas cabeças, estrondearam golpes fortes, repetindo-se por muitas vezes. Aproximando-se do lugar onde eu me achava, observou uma das sombras de contorno humano:

 – Está com medo que lhe roube a chave?

Eu apertava de fato por dentro do bolso a chave da porta da sala de experiências.

Dissipados esses fantasmas, o fenômeno principal da noite. Uma pulverização incessante de luar cintilou na escuridão da sala, traçando, à medida que se condensava, em desenho nítido uma figura humana, até que se transformou aos nossos olhos numa linda mulher moça, de longos cabelos soltos, vestindo um roupão branco rendado. Era, disseram-nos, a esposa do dr. Werneck falecida aos 25 anos, e não deixava de ser emocionante a sua aparência, na plenitude da mocidade ao lado do esposo septuagenário.

– A Judith tinha um caminhar embalado, disse um dos assistentes, habituado às manifestações desse espírito.

– Judith, ande um pouco, pediu o engenheiro.

E, num círculo de luz espiritual que a tornava plenamente visível, a ressurreta percorreu a ampla extensão do recinto, agitando em ondulação a brancura de suas vestes e como eu era um dos presentes que não assistira as suas materializações anteriores, acercou-se de mim.

– Veja. Será a mão de uma morta? – e tocou-me na mão.

Era tépida. Louvei as rendas de seu vestido e ela, erguendo o braço, em curva graciosa, estendeu-as, as da manga, sobre as minhas mãos:

– Pode ver. São antigas.

Ousei insinuar:

– Como seriam as sandálias no seu tempo…

– No meu tempo eram chinelas, respondeu, e caminhando até à mesa existente no fundo da sala, voltou com uma pequena bilha e um copo.

Ofereceu e serviu água a todos os assistentes, trocando frases com eles e depois de cumprimentar-nos, avisando que se retirava, repôs a bilha e o copo na mesa, e começou a esbater-se, desfazendo-se, até desaparecer.

Também no Estado do Pará, em Belém, antes das desta capital, verificaram-se e foram até oficialmente constatadas em atos assinados pelo presidente e pelo chefe de polícia do Estado, admiráveis materializações alcançadas com o médium Anna Prado. Testemunhou-as também e descreveu-as o sr. M. Quintão, que fez uma viagem ao Norte para observá-las e viu um espírito materializado modelar a mão em cera de carnaúba quente.

Os guias que trabalham com o dr. Werneck, disse-me este, eram enviados de João, o espírito que trabalhava com d. Anna Prado. Deve, pois, haver analogia entre as materializações desta capital e as de Belém, que o sr. M. Quintão assim descreve:

“A ansiedade do auditório era grande, profundo o silêncio quando alguém exclamou: – Ei-lo, o fantasma, a desenhar-se no canto da câmara escura, à direita. Não o vê? Não o víamos… Olhe agora, ali, no outro canto, junto à parede.

“De fato, no ponto indicado, à nossa frente, oscilava como que um lençol, uma massa branca, que se foi condensando, e resvalando, cosida à parede – não havia três metros da câmara ao lugar em que me encontrava – chegando ao ponto em que estavam os dois baldes já de nós conhecidos e mais uma garrafa com aguarrás, destinada a temperar a cera para a confecção dos moldes e flores.

O fantasma sempre mais sólido instala-se bem perto, estaca defronte do balde. Fixamo-lo à vontade: era um homem moreno, orçando pelos seus 40 anos, trazendo à cabeça um capacete branco. Pelas mangas largas de amplo roupão também branco, saíam-lhe as mãos trigueiras e grandes. Os pés não lhe divisamos.

“Chegou, cortejou, palpou os baldes, ergueu com mão direita o que continha a cera quente, e com a esquerda, elevando a garrafa de aguarrás à altura do rosto, como que dosou o ingrediente. Depois, virando o balde, como para confirmar o seu feito, arrastou-o no chão, produzindo o efeito característico, material. Os seus gestos e movimentos eram perfeitos, naturais, humaníssimos, como se ali estivesse uma criatura humana. Isto posto, afastou-se e conservou-se a um canto da câmara escura, enquanto do outro canto surgia uma menina de uns treze anos, que dá o nome de Annita.

Assim, tivemos uma dupla manifestação. Visíveis ao mesmo tempo, João, um homem e Annita – uma quase criança, enquanto ouvíamos interativamente o médium suspirar na câmara escura” – e o sr. M. Quintão largamente descreve as atitudes e a ação dos fantasmas, nessa e em outras reuniões.

De algumas das manifestações verificadas em Belém, tiveram-se fotografias mediante uma fórmula especial, constante do livro “O trabalho dos mortos”, do sr. Nogueira de Faria”.


Nota: texto extraído diretamente do jornal Diário de Notícias, 16/11/1932, Rio de Janeiro, reportagem de Leal de Souza. Posteriormente apareceu no livro O espiritismo, a magia e as sete linhas de Umbanda, cap. VI, Materialização. A primeira edição foi publicada em 1933 e pode ser obtida gratuitamente pela Internet, tomando-se cuidado, porém, com os erros gramaticais ou de digitação ali cometidos.

 

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